Muralha

O soldado tem como profissão a guerra, mas é comum dizer-se que não é ele que a começa (“a guerra é a continuação da política por meios violentos”) e, por conseguinte, quem inicia a guerra são os políticos.

A nossa luta não entra nos manuais das célebres academias militares (será que alguma vez ouviram as expressões “cavalgar o tigre” ou “atacar onde o tigre mostra mais fragilidade”?); não somos guerrilheiros, a nossa forma de combate ainda não lhes suscitou particular interesse, muito embora a sua preparação lhes deixe antever algo de “novo” e com formas muito diversificadas.

Nós temos algumas vantagens: podemos aprender com os erros ou as vitórias deles, e eles não podem aprender connosco, pela nossa “insignificância” e até porque ignoram a nossa existência.

A sociedade económico-pária onde temos que viver, trabalhar e educar os nossos filhos, está tão absorvida na sua alucinante viagem que, mesmo não sabendo para onde caminha, esquece que há gente como nós, com uma perspectiva diferente. Gente diferenciada, que aguarda o momento oportuno para servir o “tigre” com o seu próprio veneno, aquele que é hoje publicitado como elixir da felicidade: o mundo globalizado das massas humanas indiferenciadas e consumidoras.

A nós cabe-nos, embora incapazes de conter tal avalanche, estar atentos, treinados, preparados e, como o bambu, permanecer flexivelmente firmes, enraizados. Para que tal aconteça há que ter consciência e observarmos algumas atitudes pessoais, essas sim que podemos alterar e pôr em prática sem estar à espera de conseguirmos sozinhos através de qualquer acto político ou belicista derrubar o governo ou governos cleptocratas das actuais democracias capitalistas.

O auto-controlo tantas vezes difícil de manter na nossa vida diária, em casa, no emprego ou na rua, que em muitas situações é activado pelo medo de perder o emprego ou de gerar mais violência com repercussões incalculáveis, deve ser no seio da nossa Ordem conscientemente assumido e posto em prática. Treinar a cortesia sem servilismo, treinar a dureza sem ódio.

Relembro, porque me parece oportuno, o que o nosso irmão, o Grego, escreveu na Muralha XVIII:

“Os conselheiros legionários devem estudar psíquica e emocionalmente a personalidade do Comandante para não tomarem atitudes que o irritem desnecessariamente… Devem protegê-lo dos incómodos e da perda de energia causados por discussões banais que o distraiam, no seu difícil trabalho de comando e orientação. Ele deve, isso sim, ter conselheiros – secretários por ele escolhidos, que o livrarão das preocupações menores.”

No plano das atitudes e comportamentos pessoais, e porque nenhum de nós é rico, estando alguns inclusive a passar uma fase económica menos favorável, devemos lembrar-nos que o nosso trabalho, os nossos empregos, dão-nos alguma segurança económica – e isso é bom, mas não é tudo!

Atenção portanto, com quem pensa acumular grandes riquezas, e que quer fazer desta vida uma eterna batalha para ser rico, pois se já somos escravos, mais ou menos livres, de modo algum podemos virar prostitutas e agir como um burro a quem prenderam uma cenoura à frente da cabeça…

É preciso termos em mente que a ânsia de uma conquista económico-social pode inadvertidamente levar a um distanciamento de si mesmo e por conseguinte de tudo o que não tem a ver simplesmente com dinheiro como é o caso da Legião.

O saber usar as armas do inimigo, já noutras alturas mencionado, é também isto, meus caros camaradas: viver no meio deles sem nos deixarmos influenciar. Difícil? Sabemos que sim.

Mas então perguntarão: os ricos não podem fazer parte, ou é necessário ser-se sempre pobre ou remediado para pertencer à Legião?

Nós não queremos fazer sentir os ricos culpados, nem tirar aos pobres o sonho de o ser!

Poderíamos abordar esta questão de várias perspectivas, mas vejamos:

Um rico, um muito rico, ou um indivíduo que vive economicamente desafogado, e tenha conhecimento da nossa existência e que de nós pretenda aproximar-se… Vem até nós, passa uma temporada connosco, e até, suponhamos, conseguimos produzir a empatia necessária para ele ficar: será que facilmente aceitará a nossa Hierarquia, que não é baseada nem na classe social nem no diploma universitário?

Um juiz, por exemplo (rico ou desafogado), será que aceitava ser comandado por um indivíduo hierarquicamente (na sociedade-económico-laboral) inferior a ele?

Agora façamos um esforço e imaginemos que um indivíduo com as características socio-económicas atrás mencionadas se entrega verdadeiramente à nossa Causa e aceita a nossa Hierarquia – não é fácil, pois não? Mas se por acaso isso acontecer sabemos então perfeitamente que estamos na presença de um Homem Diferenciado. Alguém que ultrapassou o homo economicus que há em si.

O problema é quando no nosso íntimo continua latente a necessidade, diríamos primária, de subirmos na Hierarquia de Ferro, não com a intenção de obtermos meios (as armas do inimigo) para ajudar a Hierarquia de Ouro, mas para simplesmente conseguir ouro galgando os degraus do ferro.

Somos soldados, e se bem que o ouro seja também para nós aliciante, não nos deixaremos ofuscar pelo seu brilho nem faremos dele o nosso objectivo. As nossas riquezas são: as nossas armas, os nossos camaradas, a nossa Ordem e a serena vontade de sermos Diferenciados num mundo em ruínas.

Sabemos que outros núcleos, outros movimentos, outras irmandades se organizam e laboram, tal como nós, em prol do advento de uma nova Idade de Ouro. Haverá em cada elemento ou grupo propensões diferentes próprias do carácter e personalidade de quem as integra e dirige: haverá vocações guerreiras, outras culturais, outras místicas ou mais espirituais e outras ainda políticas, estas talvez as que menos nos interessam como forma prática de actuação. No contexto actual tal acção não passaria de passatempo enganador… Alguns de nós que estivemos mais ou menos envolvidos e participamos nalgumas manifestações políticas sabemos que cada ilusão de avanço tem levado a um maior recuo.

Portanto pormos em evidência uma acção política externa, e é disso que estamos a falar, sobretudo a nós tradicionalistas evolianos, não nos traria grandes vantagens. O nosso trabalho é sobretudo interno e, embora com algumas nuances pragmáticas, não é para nós mas para as futuras gerações. Isto não põe de lado, como é óbvio, a hipótese de darmos o nosso contributo, marcando presença, sempre que acharmos necessário.

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