Evola e o fascismo e o nacional-socialismo
Por Alain de Benoist
As suas relações com o fascismo e o
nacional-socialismo são bastante complexas. Este não é o lugar adequado para
examinar em pormenor o que foi a vida de Julius Evola durante o Ventennio mussoliniano,
nem a evolução das suas ideias durante esse período. Ele mesmo explicou-as
amplamente nas edições sucessivas do seu livro sobre o fascismo, assim como na
sua autobiografia. Apenas é preciso recordar que até 1928 foi amigo do ministro
Giuseppe Bottai, e durante mais tempo manteve também amizade com Giovanni
Preziosi, tendo-lhe este aberto as colunas da sua revista La
Vita Italiana, assim como de Roberto Farinacci, o qual lhe permitiu
dispor de duas vezes por mês – a partir de 1934 – de uma página especial («Diorama
Filosofico») no diário Il Regime fascista. Além disto,
encontrou-se com Mussolini duas ou três vezes durante a guerra.
Evola lançava em Fevereiro de 1930 uma revista
intitulada La Torre, que, criticada duramente por alguns meios
oficiais, deixou de existir em 15 de Junho do mesmo ano, depois de ter
publicado apenas dez números. No quinto número, datado de 1 de Abril,
escreveria:
Não somos nem «fascistas» nem «antifascistas».
O «antifascismo» não é nada. Para nós […] inimigos irredutíveis de qualquer
ideologia plebeia, de qualquer ideologia «nacionalista», de qualquer intriga e
de qualquer espírito de «partido» […] o fascismo é demasiado pouco. Queremos um
fascismo mais radical, mais intrépido, um fascismo verdadeiramente absoluto,
feito de força pura, inacessível a qualquer compromisso.
Seria um grave contra-senso interpretar estas
linhas, que são citadas com frequência, como a prova de que Evola teria
desejado um fascismo mais extremista, «mais fascista» até do que realmente foi.
O «fascismo verdadeiramente absoluto» de que falava Evola era um fascismo que
teria feito seus os princípios absolutos da Tradição. Ou seja, um fascismo que
teria sido, simultaneamente, «mais radical» e… menos fascista. Este
«superfascismo» teria sido, na verdade, um «suprafascismo». Isto é o que
aparece claramente na declaração que Evola faria no seu processo em 1951:
“Defendi e defendo as «ideias fascistas», não
tanto porque foram «fascistas», mas sim na medida em que reconheciam uma
tradição superior e anterior ao fascismo, de onde este herdou a concepção
hierárquica, aristocrática e tradicional do Estado – concepção que tinha um
carácter universal e que se manteve na Europa até à Revolução Francesa. Na
verdade, as posições que defendi e que defendo como homem […] não devem ser
chamadas «fascistas», mas sim tradicionalistas e contra-revolucionárias.”
Evola tinha uma concepção do mundo «superior e
anterior» ao fascismo, uma concepção de «Antigo Regime», que tem um «carácter
universal», à qual, segundo ele, o fascismo deveria ter aderido parcialmente. O
que nos leva a concluir que ele apenas apreciava do fascismo o que não era
especificamente fascista – ou, se preferirmos, que rejeitava o que havia de
mais especificamente fascista no fascismo.
Quando lemos o livro que Evola consagrou ao
fascismo e ao nacional-socialismo, comprovamos que as críticas que dirige a
ambos os regimes não são menores. Ao fascismo critica a retórica nacionalista,
a ideia do partido único, a tendência «bonapartista» e plebiscitária do regime,
os seus aspectos moralizantes e pequeno-burgueses, o fracasso da sua política
cultural, sem esquecer a ênfase posta no «humanismo do trabalho» (Giovanni
Gentile), interpretado como uma espécie de «involução da política na economia».
Não nos surpreende, por um lado, que tenha dado crédito ao fascismo por este
ter «realizado em Itália a ideia de Estado» e de haver reafirmado, com força, a
supremacia deste último sobre o povo e a nação.
Sobre o nacional-socialismo, é ainda mais
severo. Ao sintetizar um conjunto de críticas que foi desenvolvendo nos seus
artigos de inícios dos anos 30, atribui ao regime hitleriano o mérito de ter
percebido a necessidade de uma «luta por uma visão do mundo», embora para
rejeitar quase todos os componentes da dita visão. Por outro lado, denuncia o
pangermanismo, o nacionalismo étnico e o irredentismo, a própria ideia de
socialismo «nacional», o racismo biológico – que ele definia como uma
associação de «uma variante da ideologia nacionalista de teor pangermanista em
conjunto com ideias de cientificismo biológico» –, o darwinismo social, a «megalomania
efectiva» de Hitler com seus «caprichos milenaristas» e o seu «espírito
completamente plebeu», o «mito do Volk» e a importância dada à
«comunidade popular» (Volksgemeinschaft), a idealização
da função maternal na mulher, a exaltação da «nobreza do trabalho» e o
igualitarismo inerente ao Serviço do Trabalho, a liquidação do Estado prussiano
e da tradição dos Junkers, os aspectos «proletários»
de um regime desprovido de qualquer «legitimidade superior», e inclusive um
anti-semitismo que em Hitler tomou – segundo ele – a forma de um «fanatismo
obsessivo».
Como vemos, a lista é longa. No entanto, não
duvidemos, que Evola igualmente considerou que o fascismo e o
nacional-socialismo se situavam, em termos gerais, «no lado correcto». Se por
um lado não os poupou a críticas, por outro apresentou as ditas críticas
explicitamente como prova, não de uma oposição de princípio («o antifascismo
não é nada»), mas sim, de uma vontade e desejo de “rectificar” o que pareciam
erros e insuficiências graves. Dito de outra forma, embora Evola nunca tenha
sido fascista ou nacional-socialista no sentido estrito do termo, pelo menos
teve o sentimento de que, feitas todas as contas, os ditos regimes valiam no
mínimo mais do que os adversários e que os seus numerosos defeitos podiam ser
corrigidos. Um sentimento tal pode surpreender, pois quando se vê tudo o que
Evola recrimina ao fascismo e ao nacional-socialismo, coloca-se a questão do
que pode restar deles que suscite a sua simpatia. É pois este sentimento de
afinidade que deve ser posto em evidência.
Não há dúvida de que Evola dá crédito ao
fascismo e ao nacional-socialismo pelo seu marcado «anti-iluminismo» e
antidemocratismo. Fascismo e nacional-socialismo representam, para ele,
fundamentalmente, uma reacção contra as ideias de 1789, e mesmo que esta
reacção seja alvo de críticas contundentes pela presença de rasgos tipicamente
«democráticos», ele considera-a de início uma reacção saudável. Evola chega à dupla
conclusão sobre o parentesco de fundo do fascismo e do nacional-socialismo, e
da possibilidade de os «rectificar» num sentido mais «tradicional» «devolvendo-os
às suas próprias origens». O facto de ambos os regimes terem combatido os
mesmos adversários que ele – as democracias liberais, os socialistas e os
comunistas – era evidentemente de natureza a confirmá-lo nesta opinião.
O que a historiografia contemporânea permitiu
estabelecer a propósito do fascismo e do nacional-socialismo conduz, no
entanto, a questionarmos se Julius Evola não se terá equivocado tragicamente na
sua apreciação. Não é nada evidente, com efeito, que os regimes fascista e
nacional-socialista tenham pertencido ao «mesmo mundo», e é menos evidente
ainda que se tenham inscrito no universo espiritual de Evola, isto é, nessa
«tradição superior e anterior», de «carácter universal», que haveria
transmitido desde sempre a «concepção hierárquica, aristocrática e tradicional
do Estado» que se manteve na Europa até à Revolução Francesa. O carácter
totalitário do nacional-socialismo hoje não poderia ser seriamente questionado,
enquanto o fascismo é classificado geralmente entre os regimes autoritários.
Desde Renzo de Felice até Ernst Nolte, as diferenças de inspiração ideológica
de ambos os regimes têm sido frequentemente enfatizadas. Revelador neste
aspecto é o facto de, para Evola, o mérito principal do fascismo ter sido
afirmar a «preeminência do Estado sobre o povo e a nação», enquanto era
precisamente isto que o tornavam alvo de críticas por parte dos teóricos
nacionais-socialistas. O parentesco do regime nacional-socialista com o regime
bolchevique, que sem dúvida era a forma política que mais repugnava a Julius
Evola, é hoje em dia cada vez mais reconhecido, como o atestam os trabalhos de
Hannah Arendt, Raymond Aron, François Furet ou Stéphane Courtois, por exemplo.
Finalmente, o vínculo profundo destes regimes
com essa modernidade que Evola rejeitava com todas as forças, também foi
revelado em numerosas ocasiões. Por detrás de uma retórica às vezes arcaizante,
fascismo e nacional-socialismo constituíram fenómenos evidentemente modernos
que, como tal, conferiam uma importância central ao desenvolvimento científico,
técnico e industrial, ao mesmo tempo que conferiam um lugar preponderante à mobilização
política das massas. Mussolini declarou-o aliás com clareza:
As negações fascistas do socialismo, da
democracia, do liberalismo, não devem […] fazer crer que o fascismo queira
levar o mundo ao que era antes de 1789, data considerada como o ano inaugural
do século demoliberal. Não se pode regredir. A doutrina fascista não escolheu
De Maistre como profeta.
Característico de tal equívoco é a atenção que,
no interior do III Reich, Evola prestou às SS, muito provavelmente porque estas
se apresentavam como uma «Ordem» e a noção que Ordem desempenhava, como já
vimos, um papel central no seu pensamento político. Evola teve aliás a
oportunidade, em 1938, de realizar, para a revista de Preziosi, uma reportagem
acerca dos célebres «Ordensburgen» nacionais-socialistas;
porém, por detrás da mesma palavra podem esconder-se realidades muito
distintas. Ainda que Himmler pudesse estar pessoalmente fascinado pelos
cavaleiros teutónicos e pela memória dos «antigos germanos», a sua concepção do
mundo estava nos antípodas da de Evola. As SS não foram de modo nenhum concebidas
como uma «sociedade de homens», como uma «elite definida por uma solidariedade
exclusivamente viril» tendente à «pessoa absoluta»: cada um dos seus membros
estava destinado, pelo contrário, a fundar um lugar que se inscreveria numa
«linha hereditária». Muito mais ainda do que o próprio partido nazi, as SS
tinham no «materialismo biológico» o centro da sua visão do mundo. Evola
provavelmente não captou em toda a sua magnitude a vontade do fascismo e do nacional-socialismo
de lutar contra as ideologias que o mesmo combatia, não apenas com os meios
modernos, mas também em nome de outra forma de modernidade, daí a ambiguidade
da sua posição. Apreciava no fascismo aquilo que não era especificamente
fascista mas sim «tradicional», acreditando ser possível «rectificar» o
fascismo levando-o a abandonar o que lhe pertencia com toda a propriedade – subestimando
assim a importância daquilo que, no fascismo, o fazia ser fascismo e não outra
coisa. Philippe Baillet referiu-se, a propósito disto, à «sobre-estimação das
potencialidades reaccionárias» do fascismo e do nacional-socialismo, «e por
cuja causa [Evola] passa ao lado do que fundava propriamente ambos os regimes e
lhes conferia a sua especificidade». A questão que se pode colocar era saber se
o fascismo «rectificado», tal como desejava Evola, poderia de facto ter algo a
ver com fascismo.
Excerto do texto "JULIUS EVOLA, REACTIONNAIRE RADICAL ET METAPHYSICIEN
ENGAGE"
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