O "Estado da Ordem" e as SS

(Segunda parte)
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Hitler desconfiava dos descendentes das velhas casas reinantes alemãs, mas Himmler, que tinha um fraco por eles, afirmava que as SS eram o único corpo do III Reich que convinha a príncipes. Com efeito, vários representantes da nobreza vieram a fazer parte desse corpo. O príncipe Waldeck-Pyrmont alistou-se em 1929 e, em 1933, os príncipes Mecklenburg, Hohenzollern-Sigmaringen, Lippe-Biesterfeld, etc. O príncipe Philippe de Hesse era amigo de longa data de Himmler. Nos últimos anos, a aproximação entre a importante organização do III Reich e a nobreza alemã traduziu-se nas relações cordiais mantidas com o Herrenklub de Berlim e no discurso de Himmler à Deutsche Adelsgenossenschaft (corporação da nobreza alemã). As relações com o exército eram mais frias, menos por divergências de orientação que por questões de prestígio, ao serem criados regimentos armados e militarizados nas SS e, por fim, verdadeiras divisões, que tomaram o nome de Waffen-SS. Mas foi Paul Hausser, saído do exército com o posto de tenente-coronel para militar nas fileiras da "revolução conservadora" e do Stahlhelm de Seldte, que reorganizou em 1935 a academia SS e passou a supervisionar a escola de cadetes no Welfenschloss de Brunswick.
Na sua evolução, as SS ramificaram-se em secções múltiplas, algumas das quais, pelo seu carácter específico, puseram em segundo plano os aspectos relativos à Ordem. Abstraiamo-nos aqui da SS Totenkopf, com funções paralelas às da polícia comum e da polícia do Estado (aliás, por decreto do ministério do Interior, Himmler foi nomeado comandante da polícia em 17 de Junho de 1936). Este sector das SS é o que é posto em questão por certos aspectos negativos do corpo, aspectos que viriam a ser largamente utilizados para tornar abominável a totalidade das SS. Pela nossa parte, referiremos somente a Verfügungstruppe SS, a força armada "de reserva", directamente dependente do chefe do Reich. Em Julho de 1940, deu nascimento às Waffen-SS, isto é, a unidades militares de elite, cujas façanhas na II Guerra Mundial (tendo em conta a formação pessoal do homem SS) iriam impor ao inimigo respeito e admiração. A secção Rusha (iniciais de Rasse und Siedlungshauptamt), que se ocupava de questões raciais e da colonização interna, pode também ser posta de lado. Aqui, só terão interesse as iniciativas de ordem cultural das SS.
A realização do ideal de Himmler deparou com uma espécie de handicap2, já que, no seu sentido próprio, uma Ordem pressupõe um fundamento espiritual que, neste caso preciso, não podia referir-se ao catolicismo. Com efeito, a orientação anti-cristã, a ideia de que o cristianismo era inaceitável por tudo o que contém de não-ariano e de não-germânico, era muito corrente nas SS e, apesar da existência de tensões entre Himmler e Rosenberg, neste ponto havia uma indiscutível convergência de opiniões. Excluídos cristianismo e catolicismo, o problema da visão do mundo reportava-se em tudo ao que ia mais além da disciplina severa e da formação do carácter. As SS ambicionavam ser uma Weltanschauuliche Stosstruppe, isto é, uma força de choque no domínio, precisamente, da visão do mundo. No seio das SS tinha-se constituído há muito o S.D. (Sicherheitsdienst, serviço de segurança) que, em princípio, devia ter actividades culturais e o controle cultural (declaração de Himmler de 1937). Apesar do S.D. ter evoluído depois noutras direcções, na contra-espionagem, poe exemplo, o VII Gabinete manteve o seu carácter cultural e fizeram parte do mesmo notáveis cientistas e professores. Aliás, o S.D. podia tornar-se um SS ad honorem (Ehrendienst, serviço honorífico), possibilidade que contemplava as personalidades da cultura que haviam contribuído favoravelmente no sentido indicado. Pode citar-se, por exemplo, o Prof. Franz Altheim da Universidade de Halle, reconhecido historiador da Antiguidade e de Roma, e o Prof. Menghin da Universidade de Viena, eminente especialista da pré-história. A Ahnenerbe, instituição especial das SS, tinha por tarefa levar a cabo as investigações sobre a herança das origens, desde o domínio dos símbolos e das tradições ao domínio arqueológico.
Com efeito, a atenção voltara-se para o que se podia retirar dessa herança em matéria de cosmogonia e, nesse campo, superou-se o exclusivismo nacionalista de certos meios. Assim, por exemplo, Himmler subvencionou o holandês Herman Wirth, autor de A Aurora da Humanidade, volumosa obra sobre as origens nórdico-atlânticas, e convidou como conferencista um autor italiano que, mantendo a maior reserva relativamente ao catolicismo e ao cristianismo e evitando certos desvios de Rosenberg e de outros autores 3, tinha também pesquisado nessa área e no mundo da tradição em geral.
De tudo isto se deduz que as SS se inseriam num quadro mais complexo e muito diferente do que geralmente se supõe. Apesar de muitas das suas iniciativas terem ficado apenas no projecto, a circunstância de terem sido concebidas tem muitíssimo sentido. Por princípio e segundo o parecer da Direita, o ideal de um Estado da Ordem, oposto ao Estado totalitário de massas e ao Estado-partido, só pode ser julgado positivamente. Aliás, já exprimimos a mesma opinião na crítica que fizemos à noção fascista do partido único. No caso específico da Alemanha, tudo dependia da integração dos elementos da Direita e da rectificação de alguns aspectos do III Reich que, para alguns representantes da "revolução conservadora" e do espírito prussiano, era uma contrafacção usurpadora das suas ideias.
Progressivamente, as SS ganharam importância política e chegou a falar-se de um "Estado dentro do Estado" ou, mais abertamente, de um "Estado SS". De facto, havia células SS em numerosos postos-chave do Reich, na administração, na diplomacia, etc. O conceito de um Estado da Ordem implicava realmente que os homens da Ordem fossem designados para os seus postos, como foi o caso da nobreza no passado.
Finalmente, uma alusão às Waffen-SS. A partir de Julho de 1940, as formações SS que, originalmente e em tempo de paz, foram concebidas como "força de reserva", passaram a unidades militares e a divisões blindadas e, não obstante a sua grande autonomia, bateram-se ao lado da Wehrmacht. É das Waffen-SS que nasce nos finais da II Guerra Mundial o que veio a chamar-se "o primeiro exército europeu". Himmler aprovou a ideia de Paul Hausser, mais tarde retomada por Gottlob Berger, de constituir divisões das Waffen-SS com voluntários de todas as nações para lutar contra a Rússia comunista e defender a Europa e a sua civilização. Na prática, retomava-se a missão da Ordem dos Cavaleiros Teutónicos como guarda do Leste e, simultaneamente, o espírito que tinha animado os Freikorps, voluntários que, por iniciativa própria, combateram os bolchevistas nas regiões orientais e nos países bálticos depois do fim da I Guerra Mundial. No total, mais de dezassete nações estavam representadas nas Waffen-SS com verdadeiras divisões: franceses, belgas, holandeses, escandinavos, ucranianos, espanhóis, suiços, etc. 4 No conjunto, cerca de 800.000 homens, dos quais só uma parte procedia da zona germânica. Os voluntários não se preocuparam em serem acusados de traidores e colaboradores, mas, terminada a guerra, os sobreviventes foram ferozmente perseguidos nas suas pátrias 5.
Num discurso pronunciado em Poznan em 4 de Outubro de 1943, Himmler falou abertamente das SS como uma Ordem armada que no futuro, eliminada a União Soviética, seria a guarda da Europa nos Urais contra "as hordas asiáticas". Foi uma mudança importante de perspectiva, na medida em que o arianismo deixou de se identificar exclusivamente com o germanismo. Combatia-se, não por um Nacional-Socialismo eventualmente expansionista e racialmente unilateral, não pelo pangermanismo, mas por uma ideia superior, pela Europa e por uma Ordem Nova europeia. A orientação ganhou terreno nas SS e exprimiu-se na declaração de Charlottenburg publicada pelo Gabinete Central das SS já perto do fim da guerra. O texto era a resposta à declaração de S. Francisco feita pelos Aliados sobre os objectivos da guerra, a "cruzada da democracia". A declaração de Charlottenburg tratava da concepção do homem e da vida própria ao III Reich e, sobretudo, da ideia da Ordem Nova, que não devia ser hegemónica, mas federalista e orgânica.
Recordemos que se deve a Himmler uma tentativa de salvação in extremis (em que Hitler viu uma traição). Por mediação do conde Bernadotte, Himmler transmitiu aos Aliados ocidentais uma proposta de paz separada para poder continuar a guerra apenas contra a União Soviética e contra o comunismo. Sabe-se que a proposta — que, a ser aceite, teria garantido outro destino à Europa, evitaria a "guerra fria" e a passagem para o comunismo da Europa situada na "cortina de ferro" — foi brutalmente rejeitada em nome de um cego extremismo ideológico, exactamente como, pelas mesmas razões, foi rejeitada a oferta de paz que Hitler fez à Inglaterra em termos mais que razoáveis num discurso do verão de 1940 e num momento em que os alemães eram vencedores em todas as frentes.
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NOTAS:
2 Em francês no texto ( N.T.)
3 No domínio das publicações, é pena ter-se permitido a um hebdomadário ter como título Das Schwarz Korps, uma vez que esse jornal se empenhava em ataques violentos contra o clero católico e num anti-semitismo não menos brutal.
4 E ainda italianos, russos, letões, ingleses, portugueses e americanos ( N.T.)
5 Infâmias sem nome foram cometidas pelos vencedores americanos quando já tudo estava perdido, ao entregarem à União Soviética os regimentos de voluntários ucranianos que se tinham rendido a eles e só a eles e apesar de saberem perfeitamente que os enviavam para o matadouro.
Note-se que na formação das novas unidades das Waffen-SS quase tudo se centrou no aspecto militar, sendo muitas vezes relegado para segunda instância o que se referia ao ideal de uma Ordem. O comandante de uma divisão blindada das SS, o general Steiner, no seu livro Die geächtete Armee, pretendeu depois da guerra que essas formações se situavam no mesmo plano da Wehrmacht, que, portanto, deviam ser tratadas como tal, e que nada tinham a ver com as "fantasias românticas" de Himmler (da sua ideia das Waffen-SS como Ordem). A esse respeito, porém, o general Steiner pronunciou-se de maneira antipática e presunçosa.

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