A autarquia económica (II)

É bem conhecida a fórmula marxista segundo a qual “a economia é o nosso destino”, assim como a interpretação da história em função da economia relacionada com essa fórmula. No entanto, o determinismo económico é reconhecido igualmente por muitas correntes diferentes do marxismo e até opostas. É oportuno referir que semelhante fórmula é absurda em si mesma mas que, infelizmente, deixa de o ser quando observamos o mundo moderno, em que o homem lhe confere cada vez mais autenticidade. O homo œconomicus puro é uma abstracção, mas, como tantas outras abstracções, pode tornar-se uma realidade pelo processo de atrofia e absolutização de uma parte em relação ao todo: quando o interesse económico predomina, é natural que o homem sucumba às leis económicas e que estas adquiram carácter autónomo até se afirmarem outros interesses ou intervir um poder superior.

Que o “homem económico” não existe, foi o ponto de vista de Mussolini, que lhe opôs o “homem integral” (1933). A sua ideia era que “a política dominou e dominará sempre a economia”, relevando nesse contexto que o que se concebeu como destino do homem “foi criado nas suas três quartas partes por abulia ou pela vontade” (1932). Neste ponto, regressamos às perspectivas de Spengler. Estudando as formas com que um ciclo de civilização que chega ao fim se reveste (a descida da Kultur ao nível da Zivilisation), Spengler atentou justamente na fase em que a economia se torna soberana, ou seja, quando se realiza a união entre a democracia, o capitalismo e a finança. Tal união demonstra, aliás, o carácter ilusório das “liberdades” reivindicadas nos nossos dias já que, como é evidente, as “liberdades políticas” não são absolutamente nada sem a liberdade ou autonomia económica, e isso tanto no domínio individual como colectivo. Neste último, porque, num regime democrático, são os grupos detentores de riqueza quem controlam a imprensa e os meios de formação da “opinião pública” e da propaganda, no domínio individual e prático, porque o acesso às diversas “conquistas” da civilização moderna, técnica e económica e a sua prosperidade aparente, é pago com outras tantas alienações do indivíduo, pela sua inserção cada vez mais rigorosa na engrenagem colectiva movida pela economia. Perante isto, as “liberdades políticas” não passam de coisa ridícula.

Spengler previu uma fase sucessiva a que chamou “política absoluta” e pô-la em relação com o aparecimento desses novos chefes de tipo problemático a que já nos referimos. Todavia, sem esquecer as reservas que avançámos a esse respeito, podemos retirar de uma visão desse tipo a ideia de uma possível mudança de situação sob o impulso de um Estado forte baseado no destacado princípio da autoridade que podia pôr travões ao “gigante desenfreado”, a economia como destino. A expressão “gigante desenfreado” foi forjada por Werner Sombart, sobretudo quando se referia ao capitalismo moderno e às suas determinações imanentes. Pode, pois, ser tida em consideração essa referência específica: partindo do princípio da predominância da política sobre a economia e do regresso à ideia de Estado autêntico, da sua soberania e autoridade concretizadas num conjunto de estruturas adequadas, o desenvolvimento teratológico do capitalismo no sentido de uma produção infrene pode mesmo ser limitado com o objectivo último de reconduzir tudo o que é economia à posição subordinada de meio e de domínio circunscrito numa hierarquia mais vasta de valores e de interesses.

Para completar as presentes considerações, podemos relacionar esse fim último com o seu conteúdo e dizer que, do nosso ponto de vista, o essencial seria chegar-se a um equilíbrio, a uma estabilidade, à suspensão do movimento ilimitado. Não se pode exigir isso ao Fascismo, que tinha diante de si a difícil tarefa de reestruturação económica, industrial e social da nação, e isso, abstraindo dos projectos expansionistas ligados a certa aspiração à grandeza, mais que ao splendid isolement autárquico. Nestas condições, era natural uma orientação activa e dinâmica, um impulso para a frente, que chegou a ser enunciado na fórmula “parar é perder”, cujo carácter problemático compreendia a evidente implicação anti-autárquica consistente em aceitar sem medidas defensivas a inserção num processo global de condicionamento.

A questão última, a de um ideal de civilização a escolher de modo definitivo ou a sua adopção como regra geral, não chegou, pois, a ser posta. Seria caso para perguntar até que ponto o Fascismo sentiu a vocação de ir contra a corrente do movimento geral que conduz o mundo moderno para o que se considera progresso, mas a que mais valeria chamar “fuga em frente” (Bernanos), dada a verdadeira significação interna desse mundo. Em certo momento, até que ponto a orientação justa não teria consistido em virar-se para o chamado “imobilismo”, termo usado pelos que confundem estabilidade e limite positivo voluntário com imobilidade e inércia, e reconhecer que pôr travões à direcção horizontal do futuro, à evolução no sentido material, técnico e económico, aos processos que acabam por escapar a todo o controle, era a condição de um progresso autêntico, de um movimento vertical, de realização das possibilidades superiores e da verdadeira autonomia da pessoa. Em suma, retomando uma fórmula conhecida, a condição de realização do ser, indo mais além do bem-estar.

- Julius Evola, "O Fascismo visto da Direita"

1 Response to "A autarquia económica (II)"

  1. Réquila says:

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