Luz do Norte
O clima favorável e a abundância natural
deviam pois incitar a grande maioria ao abandono, à paz, ao repouso e a uma
inacção contemplativa, em vez de serem propensos a uma activa afirmação e
transcendência de si próprios.* Assim, mesmo no plano de tudo o que numa certa
medida pode ser condicionado por factores externos, enquanto a «Luz do Norte» é
acompanhada, sob signos solares e urânicos, de um ethos viril e de espiritualidade guerreira, de dura vontade ordenadora
e dominadora, nas tradições do Sul corresponde pelo contrário à predominância do
tema ctónio e ao pathos da morte e da
ressurreição, a uma certa inclinação para a promiscuidade, para a evasão e
para o abandono, para um naturalismo panteísta com tendências ora sensualistas,
ora místicas e contemplativas.**
A antítese entre o Norte e o Sul poderia
ser comparada igualmente à que existe entre os dois tipos primordiais do Rei e
do Sacerdote. No decorrer de cada período histórico consecutivo à descida das raças
boreais, manifesta-se a acção de duas tendências antagónicas que de uma forma
ou doutra se reclamam desta polaridade fundamental Norte-Sul. Em cada uma
destas civilizações, teremos de reconhecer o produto dinâmico do encontro ou
do choque dessas tendências, que deu lugar a formas mais ou menos duradouras,
até ao prevalecer das forças e dos processos que conduziram às idades
sucessivas do bronze e do ferro. Aliás não é só dentro de cada civilização
particular, mas também na luta entre as diferentes civilizações, na
predominância de uma ou na ruína da outra, que se tornaram frequentemente
transparentes significados mais profundos, e que se poderá observar, de novo, a
vitória ou a derrota de forças que se reclamam de um ou do outro dos dois pólos
espirituais, e fazendo referência mais ou menos íntima aos filões étnicos que
conheceram originariamente a «Luz do Norte» ou que pelo contrário sofreram o
encanto das Mães e os abandonos estáticos do Sul.
- Julius Evola, Revolta Contra o Mundo Moderno, pp. 282-283
* No Tshung-Yung (X, 1-4) é característico
que a força viril heróica (embora entendida num sentido materializado) e a
atitude de doçura e de compaixão sejam atribuídas respectivamente ao Norte e ao
Sul.
** Já aludimos
(parte II, cap. 4) que o simbolismo dos solstícios
tem um carácter «polar», enquanto o dos equinócios se refere à direcção
oeste-leste, e por isso, no âmbito dos pontos de vista aqui expostos, à
civilização «atlântica». Nesta perspectiva, seria interessante examinar o
sentido de certas festas equinociais, nas suas relações com os temas das
civilizações meridionais em geral. A este respeito, a exegese do Imperador Juliano
(Mat. Deorum, 173 d, c, 175 a, b) é
extremamente significativa. No equinócio o Sol parece escapar à sua órbita e à
sua lei, dispersar-se no ilimitado: é o seu momento mais «antipolar» e mais
«antiolímpico». Este impulso para a evasão corresponde aliás ao pathos das festas mistas que se
celebravam entre certos povos no equinócio da Primavera precisamente em nome da
Grande Mãe, festas que por vezes se ligavam mesmo ao mito da «emasculação» do
seu filho-amante solar.
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