O VERDADEIRO CORPORATIVISMO
Julius Evola
Hoje em dia,
em certos ambientes, o corporativismo é uma das ideias mais em voga e a serem revalorizadas,
tendo em vista uma obra de reconstrução nacional. Não podemos deixar de aderir a
este ponto de vista, porquanto a ideia de corporação teve, no período fascista,
o valor de uma daquelas reivindicações dos princípios de um ordenamento sadio e
normal que, se tivessem sido adequadamente desenvolvidas, poderiam ter feito frente
a processos económico-sociais perniciosos.
Sem dúvida que
se deve destacar que tal desenvolvimento não teve sempre o curso desejado e, hoje
em dia, se se tivesse de voltar a assumir uma posição antidemocrática e antimarxista,
este conceito teria de passar por uma revisão e interpretação adequados.
Em primeiro lugar,
deve ter-se em conta que o conceito de corporação tem um valor efectivo enquanto
possuir um carácter tradicional. Por isso, devem ser rechaçadas certas valorizações
historicistas a respeito do corporativismo, como aquelas que queriam fazer dele
un quid medium ou, de acordo com um certo jargão, uma ‘síntese dialéctica’,
uma ‘terceira posição’ entre uma ‘esquerda’ e uma pretensa ‘direita’, em matéria
económica, entre liberalismo e marxismo, ou análogas oposições. Tais jogos conceptuais
podem fazer nascer confusões perigosas, descuidando situações de facto que nem sequer
deixaram escapar os teóricos do ‘materialismo histórico’; posto que se deve reconhecer
inquestionavelmente que o liberalismo – seja a nível económico como noutros âmbitos
– não foi senão uma fase preliminar de desagregação da ordem tradicional, a qual
teria de paulatinamente dar lugar a resoluções classistas, socialistas e proletárias.
Com o corporativismo não se trata pois de combinar de forma conjunta aquilo que
não são duas instâncias diferentes – liberalismo e colectivismo – senão em alternativa
duas fases de um único processo descendente; trata-se de limpar o terreno e de voltar
às origens: de retomar o nível de ideia formativa e dadora de sentido, um princípio
que foi vivente e eficiente antes que interviessem os processos de dissolução da
era ‘moderna’.
No corporativismo
fascista actuou, em certo momento, uma exigência desse tipo: sem dúvida diremos
que isso aconteceu de uma forma semiconsciente e portanto com insuficiente radicalidade.
Com efeito, no corporativismo fascista subsistiu, apesar de tudo, um resíduo marxista,
uma vez que a concepção classista foi parcialmente reconhecida. Isto é, permaneceu
a ideia-base de dois enquadramentos que foram reconhecidos como tais e que se tratou
apenas de harmonizar as estruturas, lamentavelmente muitas vezes somente burocráticas,
do Estado corporativo. Desse modo, não se atacou de forma definitiva o mal nas suas
raízes. Tem também interesse analisar que orientação seguir e ter presente a forma
como a ideia corporativa se desenvolveu na Alemanha. Aqui a tendência fundamental
foi justamente a de partir o enquadramento classista através de um sistema no qual
a superação da antítese marxista teria de realizar-se no interior da empresa.
Na mesma empresa onde o marxismo a havia derrogado, a unidade devia ser reconstituída.
E a ideia tradicional da corporação voltou a apresentar-se na forma moderna de comunidade
orgânica, na qual capital e trabalho, possuidores dos instrumentos produtivos,
resultam intimamente vinculados numa comunidade de vontade e de finalidade que tem
um carácter menos económico e mais ético. Nem capitalistas, nem operários
proletários, mas ‘chefes’ e ‘seguidores’ (tal era justamente a terminologia) na
empresa, numa solidariedade variadamente garantida e tutelada que não exclui hierarquia
e que numa e na outra parte pressupõe a faculdade de elevar-se mais além do interesse
puramente individual como uma formação militar e guerreira.
Não era diferente
disto o espírito das antigas corporações, inclusive a partir das romanas: uma vez
que estas, de acordo com uma expressão característica, estavam constituídas ad
exemplus reipublicae, isto é, à imagem do Estado, e nas mesmas designações (por
exemplo nas de milites o milites caligati para os simples seguidores
da corporação) e repartições (decúrias, centúrias) reflectiam no seu plano o ordenamento
militar. E este espírito conservou-se no homem germano-romano medieval, no qual
se punha em relevo a dignidade de um ser livre entre os que pertenciam a uma corporação,
reafirmava-se o orgulho de cada um de pertencer à mesma e por amor fazia o trabalho
concebido como uma arte e uma expressão da própria personalidade e à entrega
do inferior correspondia o cuidado e o saber dos ‘mestres’ e o compromisso dos superiores
para o acrescento e a elevação da unidade colectiva. O problema da ‘propriedade’
não aparecia aqui para nada, tão natural era a ligação entre os diferentes elementos
do processo produtivo com um fim comum.
Tudo isto pode
ser lançado em conjunto com as formas ligadas à economia do passado e que voltamos
a traduzir nas adequadas formulações modernas, tal como na Alemanha se tinha tratado
de fazer. Quanto ao espírito – o que equivale a dizer: enquanto ideia formativa
superior e anterior a qualquer problema técnico – o mesmo não seria alvo de uma
verdadeira reconstrução. O ponto fundamental é constituído pelo momento ético.
A íntima finalidade da ideia corporativa tradicional é a de elevar o plano daquelas
actividades inferiores que se vinculam ao domínio produtivo e ao interesse material
ao plano mais alto que no mundo antigo correspondia à casta dos ‘guerreiros’ que
se encontrava num plano superior à dos ‘servos’ (proletariado) e dos ‘mercadores’
(capitalistas).
Porque quando
a empresa-corporação, uma vez superada a ideia classista, se organiza, tomando como
‘exemplo um Estado’, e à responsabilidade do compromisso e ao sentido de honra dos
chefes – os quais devem encontrar-se no centro da sua unidade e não ser os
consumidores parasitários de proveitos e dividendos, em detrimento do complexo produtivo
– corresponde o compromisso e a fidelidade dos subordinados, então se reflectia
também no domínio de uma economia ética clara, viril e personalizada, própria de
um mundo guerreiro.
Então, no mesmo
ambiente desfavorável próprio da civilização moderna da máquina, o homem, seria
elevado tanto no alto como no baixo, podendo assim readquirir a sua face e a sua
acção tornar-se-ia merecedora de um sentido: na sequência de uma acção política
de conjunto, acabar-se-ia por erradicar as excrescências teratológicas do capitalismo
e da finança sem pátria e propiciar uma adequada articulação dos grandes complexos
da produção. Aqui o processo negativo de proletarização, sobre o qual o marxismo
assenta, poderá ser sensivelmente reduzido mediante a aplicação do princípio corporativo
em espaços mais restritos, de tal modo que a unidade de conjunto da empresa-corporação
resulte de uma coordenação e hierarquização de várias unidades menores de análoga
estrutura: em síntese, o ponto fundamental é introduzirem-na na empresa e
tornar em orgânicas as instituições unificadoras que no corporativismo fascista
se encontravam fora dessa mesma empresa, mas tinham um carácter burocrático estatal
e mantinham uma dualidade de enquadramentos gerais.
Isto são naturalmente
esboços, compreendidos para indicar uma direcção, com vista sobretudo a um
princípio sobre o qual nunca se insistirá o suficiente, isto é, a mudança de mentalidade,
a reintegração do homem de sensibilidade normal e, onde seja isto possível, superior.
A desproletarização, mais do que tratar-se de um fim social, é uma tarefa
interna. Implica a capacidade de aquela ética viril da corporação tradicional,
da qual se falou, e que é o único verdadeiro cimento para as unidades de uma economia
orgânica. Quanto aos diferentes problemas, técnicos e estruturais, que hoje em dia
são postos em primeiro plano, tais como a comparticipação nas receitas, comissões
internas, conselhos de gestão, e outros similares, estes são problemas que devem
ser considerados como ponto de chegada e não ponto de partida. Devem resolver-se
num clima diferente, antimarxista, justamente ‘corporativo’ de acordo com um desenvolvimento
interno natural, num espírito que os liberte de qualquer tendenciosidade de ‘classe’.
Hoje ao nos debruçarmos
sobre o conceito de ‘corporativismo’, devemos aprofundar e reformular tudo aquilo
que, no sentido do que foi aqui mencionado, tinha começado a ganhar forma na Itália
e na Alemanha. Nos ambientes nos quais se quer preparar um renascimento político
italiano, será necessário que se convoquem pessoas qualificadas para isso, para
um estudo sistemático sério e para uma orientação que hoje se sente mais necessária
do que nunca.
Com efeito existe,
em especial em Itália, uma situação de desordem, erradamente contida com medidas
que, querendo resolver uma erupção cutânea, acabam por chegar a uma febre devida
à intoxicação do sangue. Esta intoxicação, que contaminou grande parte da classe
trabalhadora, é o marxismo e o socialismo, a mentalidade classista, a propalada
e artificial "consciência de classe".
A febre hoje
serpenteia na forma ‘sindical’; as suas erupções endémicas são as desordens, as
agitações, as greves convertida em coisa normal e natural, para prostrar a nossa
nação até ao ponto desejado de formas extremas de subversão mundial.
Apenas conferindo
ao ideal corporativo o significado orgânico, articulado de unidade quase guerreira,
que teve tradicionalmente, e dando aos interesses superiores maior força, em vez
do impulso materialista, o mal poderá ser atacado nas suas raízes, e, nesta ‘época
da economia’, poderão ser mantidos valores vinculados a uma alta concepção do homem
e da vida.
Il Meridiano
d’Italia, 04/12/1949
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