Solstício de Inverno
Tal como todos os anos, a Legião celebrou, no passado dia 21, a sua cerimónia do Solstício de Inverno. No dia mais curto do ano, no dia em que o Sol morre para de seguida renascer, a Legião evoca sempre aqueles que, embora já não se encontrando fisicamente entre nós, continuam a marchar nas nossas fileiras em espírito. Aqui fica o texto lido durante a cerimónia deste ano:
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Em 2009 a estreia americana do filme alemão A
Woman in Berlin e um estudo universitário sobre as vítimas alemãs de
violação começaram a despertar a atenção para um assunto que ainda é
considerado um tabu na sociedade alemã e ocidental da actualidade: as violações
em massa de mulheres alemãs perpetradas pelos soldados do Exército Vermelho,
após a queda do III Reich de Hitler.
Quanto ao filme, este é baseado num diário de uma
mulher anónima berlinense, que teve vida bem real. Dolorosamente real.
Baseia-se num livro, da autoria da jornalista Marta Hillers, publicado
numa edição anónima. A narrativa cobre a época que vai de 20 de Abril a 22 de
Junho de 1945, durante a tomada de Berlim por parte da forças soviéticas. A
escritora descreve a propagação de situações de estupro por parte dos soldados
do Exército Vermelho, inclusive a dela própria. A sobrevivência era encarada
por estas mulheres com algum pragmatismo, e por vezes escolhiam alguns oficiais
soviéticos de alta patente para sua protecção. Quando foi publicado em 1953 na
Alemanha Ocidental, o livro foi recebido com desprezo e negação. A autora
recusou-se a publicar outra edição durante o seu tempo de vida. A primeira
edição em inglês surge nos EUA em 1954. Em 2003, dois anos depois da morte de
Hiller, uma nova edição é publicada na Alemanha, de novo anónima. Um editor
alemão Jens Bisky, identificou a autoria do livro como sendo da jornalista Marta
Hillers, o que causou alguma controvérsia literária, tendo certas facções
político-intelectuais colocado questões quanto à sua autenticidade. Mais tarde
, em 2008 irá dar origem ao filme mencionado.
As questões colocadas pelos críticos do livre vêm
sendo facilmente desmontadas, pelo menos, quanto à veracidade histórica da
narrativa. Pois os historiadores apontam que cerca de dois milhões de mulheres
alemãs foram violadas após as forças soviéticas e dos aliados terem derrotado o
exército alemão, na primavera de 1945. Durante décadas, as mulheres alemãs
mantiveram silêncio acerca deste facto, tal como acontece com um trauma
profundo.
No entanto, actualmente, um investigador alemão
encetou um estudo pioneiro acerca destas vítimas de violação.
Após um longo silêncio, a propósito desse estudo, uma
contemporânea desse funesto período, Ruth Schumacher, com 83 anos, decidiu
contar a sua história, no ido ano de 2009. Ela lembra-se com clareza de vários
factos, como por exemplo de pedir abrigo e protecção dos ataques aéreos de
americanos e soviéticos. Tinha 18 anos de idade quando estava amontoada e
ferida, em conjunto com dezenas de civis, com água gélida até aos joelhos, numa
mina abandonada em Halle-Bruckdorf, na Alemanha Oriental.
Conta ela que pouco demorou até os combates terem
acabado e, após as forças americanas se terem retirado, os soldados do Exército
Vermelho começaram a atacar sexualmente as mulheres mais jovens da cidade.
"Fui violada por um grupo de cinco russos. Estas
memórias regressam constantemente; é impossível esquecer uma coisa destas. Por
vezes, depois de ter falado sobre isto, acordo passadas poucas horas de sono
com pesadelos, a gritar e a chorar. "
Schumacher de muito pouco se esqueceu, durante estes
65 anos, na memória prevalecem os rostos dos violadores e as dores sentidas.
Muitas das amigas dela foram também violadas repetidamente. Mas nenhuma delas
fala nunca acerca do assunto.
"Avisei uma amiga minha a quem aconteceu isto
para não falar sobre o assunto a ninguém, pois seria muito perigoso. Ninguém
falava sobre o que se passou."
Na Alemanha de Leste comunista, contou Schumacher que
foi forçada a assinar uma declaração na qual negava peremptoriamente que alguma
violação tivesse ocorrido. Na posição oficial da República Democrática Alemã,
os soviéticos foram libertadores e nunca perpetradores de crimes de guerra.
Como resultado disto, para as mulheres deste antigo
país, o medo de perseguição política e a vergonha - em conjunto com sentimentos
de culpa pelas propaladas atrocidades do regime nazi - criaram um determinado
código de silêncio.
"Eu não queria saber nada acerca do que
aconteceu às outras pessoas nem elas queriam saber da minha situação. A minha
consciência estava pesada quanto bastasse. Não a queria piorar ainda mais.
Embora nos sentíssemos envergonhadas acerca das coisas que se falavam sobre os
crimes da época nazi, nós não tínhamos culpa das atrocidades que os governos
cometem." Ela também referia que alguns alguns soldados soviéticos diziam
pagar na mesma moeda aquilo que as tropas alemãs haviam feito aquando da
entrada das forças do Eixo na União Soviética alguns anos antes. Todavia, não
há registo que prove que tal precedente se tenha verificado.
Um trauma duradouro
Os historiadores indicam que pelo menos dois milhões
de mulheres alemãs foram violadas no final da II Guerra Mundial. Este número
baseia-se nos registos clínicos hospitalares e nas interrupções voluntárias de
gravidez aqui registadas.
Muitas mulheres, como Schumacher, foram violadas
várias vezes. Os tribunais militares e outros tipos de registos denunciam
várias centenas de violações perpetradas por soldados americanos e franceses em
1945, mas a grande maioria foi da autoria dos soldados soviéticos na zona
oriental da Alemanha.
Dr. Phillip Kuwert, a médico catedrático da
University of Greifswald, do departamento psicoterapia, aponta que cerca de 200
000 crianças foram concebidas por alemãs violadas por soldados russos.
Aliás, Kuwert entrevistou as mulheres mais velhas das
que foram violadas em 1945. O objectivo maior do estudo era registar o impacto
de longo prazo do trauma que elas mostravam, Este médico pretendia obter o
depoimento destas violações antes de estas mulheres morrerem.
"Elas ficaram muito sensibilizadas com o nosso
estudo e tudo isto, em especial porque o seu sofrimento ganhou uma voz. Mesmo
que tardia. Ter uma voz é melhor do que permanecer no silêncio para
sempre." disse ele.
Mesmo assim, Kuwert escolhe muito criteriosamente as
suas palavras, pois a Alemanha tem-se deparado com muitas dificuldades para
lidar com o propalado passado de genocídio e crimes. Por isso, confrontou-se
com muitas dificuldades para conseguir livremente pesquisar entre pessoas não
judias na qualidade de vítimas.
Ele reporta também que recebeu muitos emails da parte
de familiares das vítimas dizendo que muito gostariam que este estudo tivesse
sido feito muitos anos antes, de modo a que suas mães e avós tivessem
participado nele.
A violação de mulheres indefesas desde sempre
constituiu uma arma de guerra por parte das forças ocupantes. Mesmo quando
estas não se manifestam sob a forma militar. Constituem uma manifestação de
força dominadora sobre algo e alguém que já não tem defesa válida, nem o
elemento alpha, masculino, macho, para seu resguardo. É a ofensa máxima que algum
povo, enquanto colectivo, identidade, poderá sofrer. Ele está a acontecer sob
os nossos olhos, de modo mais sub-reptício e sob o beneplácito e consentimento
inconsciente de muitas mulheres deste Ocidente putrefacto.
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