Aristides de Sousa Mendes: falsificação e mentira
Escrito por Miguel Bruno Duarte
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Veio finalmente a lume, numa edição de autor,
o livro intitulado O cônsul Aristides de Sousa Mendes: a Verdade e a Mentira,
assinado pelo embaixador Carlos Fernandes. Trata-se, na sua essência, de uma desmitificação
da figura de Sousa Mendes enquanto herói salvador de milhares de refugiados no eclodir
da Segunda Guerra Mundial, entre os quais um grande número de judeus, bem como da
reposição da verdade histórica falseada no plano de uma campanha interna
e internacional que não poupa a pessoa impoluta e aristocrática de Oliveira Salazar,
assim como membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros e outras figuras no contexto
afim (1).
De resto, num livro de José-Alain Fralon sobre
A. de Sousa Mendes (2), constam igualmente alguns elementos que nos ajudam a compreender
até que ponto se fabrica, insinua e propala a mentira enganosa sobre tão desditosa
personagem, a saber:
1. O teor acintoso e desrespeitador para com o
pai de Oliveira Salazar, como se depreende da seguinte passagem: «Terá o jovem Salazar
tido contactos com Aristides ou César de Sousa Mendes durante a infância? Com certeza
que sim, mas terão sido daqueles olhares típicos de menino pobre, mistos de rancor
e admiração, ao ver passar os filhos dos ricos. Afinal, dada a sua profissão, o
pai de Salazar poderia bem ter sido o feitor dos Sousa Mendes» (3). Pois, talvez
poderia bem ter sido, mas não foi. E por contraste ao alegado ressentimento de António
de Oliveira Salazar para com os filhos dos ricos, é Franco Nogueira (4) quem, condignamente,
nos traça o perfil de uma criança que muito prezava e estimava os valores familiares,
particularmente presentes na forma solícita e afectuosa com que auxiliava o Tio
António Feitor na leira, ou tratava com extremos de carinho sua mãe Maria do Resgate,
a quem, de madrugada inclusive, acudia nas horas de aflição (5);
2. O facto de, em Antuérpia, Sousa Mendes – que
tinha, na esfera administrativa do Consulado, o direito de cobrar taxas aos navios
que ali faziam escala – ter pedido, em 1932, um novo aumento dos gastos de representação,
enviando «ao ministro partes de um jornal belga, com números que [alegadamente]
justificavam a pretensão com o aumento do custo de vida» (6). Além disso, também
consta o envio de uma carta ao Presidente da República na qual, supostamente, os
filhos do cônsul, justificando a prossecução dos estudos, imploravam pela sua permanência
em Lovaina (7). Todavia, a resposta não se faria esperar, na medida em que intimava
Sousa Mendes a não confundir os negócios do Estado com os assuntos de família
(8);
3. O caso de Sousa Mendes não solicitar autorização
superior para se ausentar do seu posto em Bordéus no eclodir da Segunda Guerra Mundial,
de modo a poder levar os filhos para Cabanas de Viriato numa enorme viatura que
baptizara com o nome de Expresso dos Montes Hermínios, e que, no lance, acabou
por capotar numa curva perto de Salamanca a ponto de ter sido um milagre não terem
todos morrido em tão inusitado acidente. Aliás, quem nesse mesmo momento percorria
a estrada e dava de caras com tamanho espectáculo assinalado pelas placas diplomáticas
da viatura em causa, era nada menos que a mulher do Generalíssimo Franco, que, estupefacta,
chegara ainda a perguntar se precisavam de ajuda. A resposta, naturalmente evasiva
(9), indiciava assim um Aristides em situação de desobediência, coisa que, como
veremos, foi sempre uma constante na sua atribulada carreira de cônsul;
4. Por fim, o facto de, a «20 de Junho de 1940,
a Embaixada do Reino Unido em Lisboa, numa estranha carta dirigida ao ministro dos
Negócios Estrangeiros de Portugal», ter-se queixado «da actividade de Sousa Mendes,
acusando-o de trabalhar fora das horas de expediente e de cobrar taxas suplementares
para a concessão de vistos» (10).
Posto isto, a principal questão continuava por
explicar, isto é: como teria sido humanamente possível que o «Schindler português»
tivesse dado, em 1940, os 30 000 vistos (11) – que ademais nunca referiu
(12) – a refugiados em apenas três dias – 17, 18 e 19 de Junho em Bordéus e no dia
21 em Baiona –, dos quais 10 000 a judeus? (13) A questão é, pois, clarificada por
Carlos Fernandes:
«(…) a invenção dos 30 000 vistos, em cerca de
três dias, dos quais 1/3 a judeus, é completamente mirabolante, obviamente não
provada, porque é coisa impossível de se efectivar materialmente, pura e simplesmente
por falta de tempo para dar tanto visto com tão pouco pessoal. Façam as contas e
concluam. De facto, mesmo contando três dias, só teríamos 72 horas; descontando
nem que fossem só 10 horas por dia para dormir, comer, toilette, etc., o
que ninguém acredita que fosse assim, ficariam livres 42 horas; admitindo que pudessem
dar 15 vistos por hora, que não davam, teríamos 630 vistos. Daqui para 30 000 vai
o infinito. Mas ninguém se questiona perante esta atoarda! Há realmente gente de
muita boa fé!» (14)
Aliás, quem, na realidade, introduziu gratuitamente
em Portugal os 30 000 refugiados oriundos da fronteira franco-espanhola, foi
Francisco Leite Pinto, Presidente da Companhia de Caminhos de Ferro da Beira Alta,
por onde circulava o Sud Express que, com a conivência dos espanhóis e a
aprovação do Governo português, permitira o transporte clandestino de toda aquela
gente vinda da Holanda, da Bélgica, do Luxemburgo e, mais particularmente, de França
(15). Esta operação secreta, que teve lugar sem o conhecimento público, é que foi
aproveitada pelos panegiristas de Sousa Mendes ao inventarem, nas palavras de Carlos
Fernandes, «uma mentira do tamanho do Everest» (16).
Por outro lado, a salvação de 10 000 refugiados
judeus atribuída a Sousa Mendes é de tal forma falsa que até um autor judeu como
Avraham Milgram pusera a questão nos seguintes termos:
«Para se poder avaliar a disparidade entre o número
de judeus que entraram em Portugal e aquele que se pensa ter entrado graças a Sousa
Mendes, basta assinalar que, segundo um relatório da HICEM, na segunda metade de
1940, embarcaram em Lisboa 1538 judeus – refugiados que chegaram a Portugal sem
vistos para outros países; durante o ano de 1941, embarcaram 4908 judeus com a ajuda
da HICEM. A este número há que acrescentar cerca de 2000 judeus que chegaram directamente
de Itália, da Alemanha e dos países anexados por esta e que possuíam vistos americanos.
Ao todo, durante dezoito meses, de Junho de 1940 a Dezembro de 1941, a HICEM conseguiu
fazer embarcar 8346 judeus de Lisboa para países de além-mar (17). A estes números
há provavelmente a acrescentar aqueles que passaram por Portugal e que daí saíram
por meios próprios. Mesmo assim, é grande a diferença entre a realidade e o mito
sobre o número de vistos emitidos por Sousa Mendes. E, todavia, há que frisar que
uma boa parte dos judeus que, em 1940, atravessou os Pirenéus para Espanha, e daí
para Portugal, o fez graças a Sousa Mendes» (18).
De facto, também existem estimativas exageradas
sobre o número de refugiados judeus que passaram por Portugal durante a Segunda
Guerra Mundial. O New York Times, por exemplo, afirmava que, «em Agosto de
1940, havia em Lisboa cerca de 11 000 refugiados, 3000 dos quais saíram até Dezembro
desse mesmo ano. Um ano depois, o mesmo jornal publicava que, em Novembro de 1939,
tinham embarcado no porto de Lisboa cerca de 200 000 refugiados (19). (…) O American
Jewisw Year Book também falhou nesta questão. Este anuário, que tinha o cuidado
de publicar dados rigorosos durante os anos da guerra, publicou a seguir à guerra
dados pouco plausíveis. Eis o que se lê no anuário de 1944: “Depois de Junho de
1940, a entrada tornou-se progressivamente mais difícil, mas estima-se que cerca
de cem mil refugiados tenham passado através de Portugal para o hemisfério ocidental,
a África, a Grã-Bretanha e a Palestina, entre essa data e o início de 1944. Muitos,
se não a maior parte eram judeus” (20). (…) Patrick von zur Mühlen (…) assinalou
que Portugal contribuiu para o salvamento de 100 000 refugiados da Shoah (21). O
investigador José Freire Antunes foi ainda mais longe. Na introdução ao seu livro
Judeus em Portugal. O Testemunho de 50 Homens e Mulheres, reabilita Moses
Amzalak que, segundo ele, foi a pessoa que contribuiu para o desenvolvimento da
assistência aos refugiados em Portugal, nas suas representações diplomáticas no
mundo, e na passagem dos escritórios da Joint para Lisboa (22). Não escondendo a
sua simpatia por Amzalak, considera que foi a proximidade ideológica e pessoal entre
este e o ditador que o levou a agir em prol do salvamento de dezenas de milhares
de judeus: "Se não fosse a dedicação de Amzalak, os 150 000 judeus não teriam
passado por Portugal"» (23).
Entretanto, não esqueçamos que a fuga de milhares
de refugiados da Europa Central e Oriental após a anexação da Áustria pela Alemanha
nazi em 1938, levou a que Portugal se visse naturalmente confrontado com a entrada
desses mesmos refugiados num País que atravessava grandes dificuldades na sua restauração
económica e social. Por outras palavras, judeus (24) e não judeus, em clara situação
de pobreza, procuravam entrar e ficar em Portugal que, compreensivamente, não desejava
as repercussões sociais, económicas e políticas num País já caracterizado pelos
seus consideráveis índices de emigração. Ora, neste contexto dramático e dificílimo
para milhares de pessoas humanas, nas quais se contavam os próprios Portugueses
que, além do mais, não eram responsáveis pelo que grassava na Europa de Além-Pirenéus,
eis que surge a circular 14 divulgada pelo MNE a 11 de Novembro de 1939, estipulando
as seguintes directrizes:
«Os cônsules de carreira não poderão conceder
vistos consulares sem prévia consulta do Ministério dos Negócios Estrangeiros: aos
estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas,
aos portadores de passaporte Nansen e aos Russos; aos estrangeiros que não aleguem
de maneira que o cônsul julgue satisfatórios os motivos da vinda para Portugal e
ainda àqueles que apresentem nos seus passaportes a declaração ou qualquer sinal
de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm. Com respeito a todos
os estrangeiros, devem os cônsules procurar averiguar se têm meios de subsistência.
[Não deverão ser concedidos] vistos aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade
ou daqueles de onde provêm [referência ao J vermelho nos passaportes dos judeus];
aos que, evocando a circunstância de virem embarcar num porto português, não tenham
nos seus passaportes um visto consular bom para entrar no país a que se destinam,
ou bilhete de passagem por via marítima ou aérea, ou garantias das respectivas companhias.
Os cônsules terão porém muito cuidado em não impedir a passagem por Lisboa de passageiros
que se destinem a outros países e especialmente carreiras aéreas transatlânticas
ou para o Oriente. Pelo Ministro: Luiz F. Sampayo» (25).
Uma outra razão para a restrição de vistos a refugiados,
alguns dos quais exigiam a consulta prévia a Lisboa, resultara «dos protestos espanhóis
e ingleses, estes apavorados com a perspectiva da entrada de espiões, sabotadores,
etc., em período de guerra total (a chamada 5.ª coluna), e o perigo de irritar
Hitler» (26). Mas até nisto, Avraham Milgram, que acusa Portugal – «o país
da Inquisição» – de não aproveitar o seu potencial estratégico face à Alemanha para
salvar judeus (27), não se coíbe de atacar o governo de Salazar (28), o MNE, o Ministério
do interior e a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) por serem «inflexíveis,
legalistas e revelarem por vezes preconceitos anti-semitas» (29). Estamos assim
perante a falsificação da verdade histórica, até passível de ser desmentida
por historiadores estrangeiros como o alemão Patrick von zur, ao demonstrar que
a política de Portugal face aos judeus não teve, por certo, motivações anti-semitas
(30).
Demais, o trecho significativo que se segue confirma
a ampla ausência de anti-semitismo no alegado «país da Inquisição»:
«O fracasso comercial da propaganda anti-semita
em Portugal mostra-nos até que ponto o ódio a Israel era irrelevante como manobra
política naquele país. A não-aceitação do anti-semitismo dos escritos de Sardinha,
de Saa e dos editores dos Protocolos dos Sábios de Sião, em 1923, causa surpresa,
em particular porque nos anos de 1920, e mais ainda nos anos de 1930, os judeus
eram vítimas de hostilidade e xenofobia na maior parte dos países da Europa. Naquela
época ouvia-se no mundo gritos nacionalistas, xenófobos e anti-semitas bastante
estridentes. Na Europa Oriental e Central o elemento anti-semita tinha muito relevo
na política, na cultura e na sociedade. O anti-semitismo cumpria uma função central
nos discursos públicos, nas campanhas eleitorais e, em particular, na mobilização
das multidões sob as bandeiras dos movimentos, partidos e associações anti-semitas,
nacionalistas, antiliberais e antidemocráticas.
No prefácio ao seu livro sobre o anti-semitismo,
Adolfo Benarus afirma que não foram os acontecimentos anti-semitas no seu país que
o levaram a tratar do anti-semitismo, mas a injustiça e as catástrofes de que os
judeus eram vítimas em países estrangeiros (31). O ódio a Israel diz, era um fenómeno
antigo que não desaparecera nem com as conversões forçadas dos judeus ao cristianismo
nem com a sua assimilação, como aconteceu na Alemanha. Explica que os resultados
da emancipação em muitos países não garantiam o fim do anti-semitismo, e a Alemanha
era um exemplo disso (32). Ao referir-se a Portugal, Benarus transmitiu aparentemente
não apenas a sua opinião, mas a da maioria dos judeus do país, que tinham consciência
de que a igualdade na lei obtida e garantida pelas constituições de 1911 e 1933
os defenderia: “Hoje a igualdade é absoluta, ou antes, os judeus dentro da sociedade
portuguesa são muitas vezes objecto de atenções e até de carinho. É o resultado
de uma concepção mais larga da Justiça e da Tolerância, que, partindo de governos,
parece ter atingido todas as classes sociais ” (33). Segundo ele, não havia anti-semitismo
em Portugal devido às características superiores do homem português que não conhece
o ódio aos estrangeiros. Pelo contrário, o homem simples revela interesse pelos
estrangeiros, respeita-os e acolhe-os no seu seio. Paralelamente à confiança no
homem simples, Benarus admirava Salazar e o seu regime por ter conseguido matar
o anti-semitismo à nascença (34). Mais do que a ausência de anti-semitismo, estas
palavras exprimem uma identidade da elite judaico-portuguesa com o seu país e dirigentes»
(35).
Quer dizer: por mais evidências que se apresentem
de que os Portugueses em geral não são anti-semitas, mesmo quando tais evidências
são manifestamente reconhecidas por certos e determinados judeus, tudo isso, supostamente,
não passa de um oportunismo da elite judaico-portuguesa identificada com Portugal
e a sua classe dirigente. Nestes termos, estamos, pois, perante o que se nos afigura
ser um certo nacionalismo de matriz judaica que é, porventura, o mais exclusivista
de todos os nacionalismos à face da terra (36). No fundo, é como se um povo que
se diz eleito por Deus de alguma forma preconizasse aos outros povos que se sacrifiquem
e até por ele morram caso necessário.
Houve, sem dúvida, casos particulares de anti-semitismo
como o de António Sardinha, que via nos cristãos-novos o inimigo interno histórico
da raça portuguesa, ou até mesmo o de Mário de Saa que, em A Invasão dos Judeus
(1925), afirmava que «entrar no Parlamento português é como entrar numa sinagoga»,
o que, já de si, também permite explicar a sua veemente oposição ao plano de 1912-1913
para a colonização judaica em Angola (37). E por falar em Angola, não fora por acaso
que Oliveira Salazar acompanhasse de perto as ambições da Itália e da Alemanha relativas
a territórios coloniais de outros países, nomeadamente os de Portugal. E assim via
como até a Polónia e a Roménia cobiçavam os territórios ultramarinos portugueses
em África e na Ásia (38).
Deste modo, face à prudente vigilância de Oliveira
Salazar relativamente ao Império Português, não há nada como encarar o seguinte
trecho:
«No período que se seguiu à conferência de Evian,
Salazar foi posto ao corrente do interesse crescente por parte de diversos sectores
em encontrar uma solução para o problema dos refugiados nos territórios coloniais
portugueses em África. Quando o Comité Intergovernamental para os Refugiados se
reuniu em Agosto de 1938 em Londres, os jornais ingleses escreveram sobre a possibilidade
de instalar um grande número de judeus em Angola (39). Na discussão efectuada no
Parlamento britânico sobre a questão dos judeus, o delegado V. A. Cazalet sugeriu
a possibilidade de adquirir territórios em Angola (40). Nesse mesmo dia, o chefe
do movimento nacional-socialista da Holanda publicou um artigo no qual propunha
solucionar o problema dos refugiados judeus através da sua instalação nas colónias
britânicas, francesas, holandesas, portuguesas e belgas, proposta que, segundo as
próprias palavras, fez sorrir o cônsul português em Haia (41). A forma como todos
mencionavam Angola como solução para o estabelecimento dos refugiados judeus, sem
consulta, cooperação ou coordenação com o governo português, provocou uma ira crescente
nos meios das representações diplomáticas portuguesas na Europa, no MNE em Lisboa
e, obviamente, no presidente do Conselho de Ministros, Salazar» (42).
Contudo, Salazar, já antes de 1938, se antecipara
às ambições territoriais de certas e determinadas potências, consoante o seu próprio
testemunho:
«Passadas poucas semanas sobre uma arremetida,
nova tempestade de boatos se desencadeou acerca das colónias portuguesas. Gerou-se
em Basileia com a anterior, correu as capitais da Europa e deu a volta ao mundo
porque a sentimos na América do Sul e na África. Como havíamos desmentido a venda,
aparece a atoarda agora sob a forma de arrendamento e com notáveis pormenores: contrato
por 99 anos que deixava intacta a soberania portuguesa; citam-se as firmas alemãs
interessadas e os trabalhos que vão empreender; intensificar-se-á a produção de
Angola para pagar o armamento adquirido para o Exército; o Chanceler no seu discurso
de 30 do corrente dará mesmo público conhecimento do acordo realizado. O jornalista
de Basileia, interrogado acerca da notícia, garantiu a sua "rigorosa exactidão",
pois a tinha da melhor fonte; em certos meios diplomáticos e políticos, já certamente
informados, tomaram-se atitudes confirmativas; e jornais ingleses, com o sentido
apurado da precisão, escreveram que Portugal já tinha desmentido a venda de colónias,
mas o arrendamento a longo prazo era negócio, quer dizer, podia ser considerado.
No meio de tudo, o Governo português absolutamente ignorante de tal acordo.
Por ordem de Lisboa os nossos Ministros no estrangeiro
tinham desmentido da primeira vez e desmentiram também desta, embora convicta a
nossa Chancelaria da inutilidade de tais declarações. Para a hipótese de novos desmentidos,
tem de pensar-se que muitos Governos, pelo menos em casos que não lhes interessem,
se encontram perante a existência legal da liberdade de imprensa, e é de certo modo
desprimoroso para os representantes de Portugal verem levantar-se por sistema, em
face dos seus desmentidos categóricos acerca de negócios coloniais, as insistências
de jornais que se julgam mais entendidos no assunto que o Governo português. Demais
há sempre processo de salvar uma tal ou qual delicadeza protocolar: como desmentimos
o arrendamento de Angola a 99 anos, entende-se que não fica desmentido o arrendamento
a 98 anos e 11 meses» (43).
E mais adiante, prossegue Oliveira Salazar:
«Seja qual for o interesse que para os dois países
tenham contratos de compensação; sejam quais forem as possibilidades das empresas
alemãs de realizar grandes obras de fomento no continente ou nas colónias portuguesas
onde têm trabalhado e trabalham ao lado de empresas dinamarquesas, holandesas, francesas,
italianas ou espanholas; sejam quais forem as possibilidades económicas que cada
um anteveja, sonhos que arquitecte e mesmo as responsabilidades passadas da Alemanha
no tocante a projectos sobre as colónias portuguesas de África, a verdade é que
sobre os factos presentes, ao alcance da observação de todos, não podem enxertar-se
a cada passo atoardas da sua venda ou arrendamento, tanto mais que se apresentam
como exigindo o acordo do Governo português. Mais razoavelmente filiaríamos tais
campanhas no actual estado político da Europa. Só não sei se com elas mais se pretende
atingir Portugal se combater a Alemanha» (44).
E, por fim, remata patrioticamente o maior Estadista
português do século XX:
«O desconhecimento das coisas portuguesas está
sem dúvida na base da expansão de notícias falsas e da credulidade geral; mas quem
cria e alimenta os boatos é perfeitamente conhecedor das situações e dos problemas,
e sabe como deve actuar. A situação de Portugal na Península hispânica, a sua posição
política e moral contra o comunismo, os seus vastos interesses e direitos coloniais,
bem alicerçados e definidos, a maneira como entende conduzir os seus destinos, dão-nos
neste momento preciso, relevo entre as Potências. E não é que pretensiosamente nos
ponhamos em bicos de pés para nos verem; outros se sentem obrigados a atribuir-nos
importância real. E por isso alguns nos consideram importunos e incómodos, e nos
acusam perante o mundo, e nos promoveram a revolta dos marujos, e nos presentearam
com explosão de bombas, e maquinam incessantemente contra nós, e sem cessar nos
agridem e levantam boatos sobre as nossas colónias que, a traduzirem a verdade dos
factos, só demonstrariam impotência ou insensibilidade patriótica.
Mas tudo é inútil. Alheios a todos os conluios,
não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas colónias, com
reserva ou sem ela de qualquer parcela de soberania nominal para satisfação dos
nossos brios patrióticos. Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e,
na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional» (45).
Entretanto, é também sabido que F. D. Roosevelt
procurara resolver os problemas dos refugiados judeus mediante a criação de uma
entidade política judaica em Angola. Contudo, um tal empreendimento indica que os
americanos ignoravam de todo que Salazar jamais permitiria a venda ou a transferência
de uma parte do Império Português para o devido efeito. Assim, apostavam «na criação
de uma espécie de protectorado que traria a Portugal benefícios» de utilidade financeira,
económica e comercial que seria muito superior «aos lucros que o país teria se continuasse
a manter Angola sozinho» (46).
No fundo, os americanos não compreendiam verdadeiramente
com quem estavam a lidar, na medida em que sempre revelaram uma enorme dificuldade
em conhecer outras culturas, povos e nações do mundo. E daí a razão por que Oliveira
Salazar não confiava nos americanos e na sua nação tipicamente moderna. Por conseguinte,
o plano americano caíra em saco roto, até porque a Inglaterra, cuja política externa
procurava apaziguar os árabes e reduzir as suas forças no Mediterrâneo Oriental,
queria «continuar de boas relações com Portugal e não abalar o status quo
na Península Ibérica» (47).
Quase um triénio depois, Salazar, na qualidade
de titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, entre as demais de que então se ocupava
com grande sacrifício e abnegação pessoais, assistia ao começo da mais brutal, violenta
e destrutiva guerra mundial do século XX. E nisto, perante a onda de refugiados
vindos da Europa Central e Oriental, eis senão o «messianismo salvífico» do cônsul
Sousa Mendes personificado num acto de loucura delirante: «Vou salvá-los todos»
(48). Todavia, as consequências desse acto foram, precisamente ao contrário do que
os panegiristas de Sousa Mendes apregoam, atenuadas por quem mais se tem
atacado na campanha interna e internacional em voga: António de Oliveira Salazar.
Senão vejamos:
«O que Aristides fez – e eu abstenho-me de o julgar
– em Bordéus e Bayonne, em Junho de 1940, era passível de 3 crimes, a saber: desobediência,
abuso de poder e concussão. O MNE entendeu mover-lhe apenas um processo
disciplinar por desobediência, em vez de o fazer acusar daqueles três crimes, o
que, desde logo, é bonito e oposto a uma perseguição.
Depois, concluído o processo, foi proposta ao
seu Ministro quer a degradação de categoria quer mesmo a demissão. Salazar
ignorou completamente a proposta conclusiva do procedimento disciplinar, porque,
a meu ver, compreendeu que Aristides tinha grandes atenuantes. Por isso,
em vez de lhe dar qualquer pena disciplinar, e muito menos as propostas, foi
para uma solução diferente, que consistia numa faculdade do Ministro (vigente
em França, Espanha, Itália e em muitos outros países, para eventual aplicação aos
diplomatas ou cônsules que se julgava não estarem em condições de desempenhar convenientemente
as suas funções), a disponibilidade fora do serviço por determinado período,
podendo, quando o Ministro assim o entendesse, ser o diplomata ou cônsul chamado
novamente ao serviço activo. Foi assim que Salazar, sem proposta de ninguém,
coloca Aristides fora do serviço por um ano, e aguardando aposentação findo
ele, já que Aristides ainda não estava próximo dos 70 anos, para ser aposentado
com todo o vencimento. Não o aposentou.
Quer dizer: Aristides não foi punido disciplinarmente.
E também não foi excluído da carreira consular. Apenas se lhe interrompeu o seu
exercício. E daqui à legitimidade de Aristides requerer o regresso à
actividade, que, para quem tiver cinco réis de senso, não pode deixar de concluir
que nunca mais poderia ser a colocação como cônsul fosse onde fosse no estrangeiro.
Até porque Aristides estava gravemente doente, física e psicologicamente.
Aguardando aposentação, ganhava, não trabalhando,
exactamente o mesmo que ganhavam os seus colegas (…), trabalhando.
Foi esta uma perseguição quer dos serviços do
MNE quer de Salazar?!» (49)
A única exoneração por decreto sofrida por Aristides
fora a de cônsul de Portugal em Bordéus, que o próprio quis teimosamente anular
sem nenhuma razão que o justificasse (50), até porque se «tivesse praticado todos
os actos que Rui Afonso e outros, incluindo o filho Sebastião, dizem que
praticou, teria cometido cinco crimes: desobediência, abuso de poder, concussão,
usurpação de funções e roubo de passaportes. Mas o MNE não o acusou de nada
disto. Apenas de desobediência disciplinar.
É isto perseguição?» (51)
De modo nenhum. Mas os detractores da verdade
aí estão, servindo-se, para o efeito, da mentira sistemática nos mais variados aspectos,
entre os quais ressaltam à vista os que se seguem:
1. «Cerca de 10 de Julho de 1940, Aristides e
Angelina chegaram a Cabanas num soberbo Dodge Brother descapotável, de cor
vermelha. O senhor cônsul ainda tinha uma bela figura, embora as últimas semanas
o tivesse esgotado. Mesmo que, a 4 de Julho, Salazar tivesse ordenado a abertura
de um processo disciplinar contra ele» (52);
2. «Se Aristides não conhecia Lisboa, ainda conhecia
menos Salazar e o regime que ele havia instaurado. Ao deixar Bordéus, parecia persuadido
de que ia ser recebido pelo chefe do Governo e que poderia explicar-lhe as razões
que o tinham levado, em nome da moral cristã, que lhes era comum, a salvar tantas
pessoas.
Dir-lhe-ia que também tinha salvo a honra do País
e que um dia os seus actos seriam úteis aos interesses portugueses. Em resumo, iria
apelar aos sentimentos cristãos de Salazar, à sua generosidade, mas também à razão
e àquela que pensava ser a visão do mundo do ditador.
Escreveu a Salazar. Afirmando-se convencido de
ter cumprido o seu dever para com a pátria e de não ter feito nada para desmerecer
a confiança do Presidente do Conselho, solicitava que este o recebesse em audiência
e confessava-se antecipadamente grato pelo favor.
O ditador de botas com atacadores nunca quis recebê-lo.
Mais, fez tudo para o esmagar.
Aristides de Sousa Mendes não tinha compreendido
o essencial do carácter do seu antigo condiscípulo de Coimbra: o gosto maníaco,
imoderado, doentio, pela ordem. Que lhe importavam os milhares de pessoas salvas
por Sousa Mendes, os apelos à sua fé cristã; que importava isso quando comparado
com um crime maior: a não obediência a uma directiva governamental. Nem em 1940,
nem em 1945, nem em 1950, Salazar jamais compreendeu a importância moral, mas também
política, da acção de Sousa Mendes. Apenas viu nela um acto de desobediência.
E a desobediência tinha de ser punida» (53);
3. Salazar «tinha um talento especial para lidar
com os rebeldes que agiam de acordo com a sua consciência, afastando-os de funções
públicas. Daí o (…) ter-se vingado de Aristides de Sousa Mendes.
(…) Aristides de Sousa Mendes foi julgado por
ter infringido as formalidades relativas à proibição de entrada de determinadas
categorias de estrangeiros, incluindo judeus, antes da invasão de França pelos Alemães
e depois desta. Foi julgado, humilhado e demitido das suas funções consulares, acabando
por ficar sem fonte de rendimentos e pobre…» (54);
4. «O regime continuava a persegui-lo com todo
o género de manobras burocráticas. Salazar nunca lhe quis perdoar, embora soubesse
que lhe bastava dar uma ordem para que Aristides pudesse acabar tranquilamente os
seus dias. O rancor daquele homem era imortal!» (55)
Enfim, eis apenas alguns dos exemplos de como
se deturpa, omite e desvirtua a verdade histórica sobre A. de Sousa Mendes
e seu alegado e implacável perseguidor. E ainda para mais quando é «de notar que
não houve sarilhos com outros cônsules na Europa, incluindo Bayonne, na fronteira
franco-espanhola. Porquê? Já que também lá havia judeus. Ou só havia judeus em Bordéus?
Mais do que Aristides, protegeram concretamente
judeus vários diplomatas e cônsules portugueses, a começar pelo ministro F. Calheiros
e Menezes, então já na Turquia.
De colaboração com o Núncio Papal, Giuseppe
Roncalli (depois Papa João XXIII), e, deve notar-se, com o chefe da Legação
alemã em Ankara, nada menos que Franz von Papen, ali de 1939 a 1944, antes chanceler
e depois ministro dos Estrangeiros de Hitler, transferiu para Portugal centenas
de crianças judias e muitos judeus adultos.
Também Sampaio Garrido e Branquinho,
assim como o cônsul honorário em Milão, Giuseppe Magno, e outros ainda, como,
em muito menor grau, Emile Gissot, em Toulouse (…) protegeram directamente
muitos judeus.
(…) A actividade humanista e notável destes homens
tem sido esquecida ou minimizada injustamente, começando agora, e envergonhadamente,
a ser referida. Porquê só agora? Por uma razão muito simples: não constituíam matéria
política contra Salazar, que é o que tem interessado aos mitologistas de
Aristides. Não foram os judeus que iniciaram o movimento de mitificação de
Sousa Mendes, mas sim os políticos portugueses e americanos, com Bessa
Lopes, Rui Afonso, Tony Coelho e Jaime Gama à cabeça.
O problema para estes figadais anti-salazaristas
retrospectivos é que, enquanto, em 1940, nenhum judeu estava em perigo de vida,
ou até de prisão, em França, depois do armistício, porém, em 1944, em Budapeste,
Sampaio Garrido e Branquinho salvaram efectivamente centenas
de pessoas de serem deportadas para os campos de concentração com as consequências
daí decorrentes» (56).
Ainda assim, a mitificação de Sousa Mendes começou
por ter o apoio das autoridades israelitas com base numa pretensa investigação levada
a cabo pelo Centro Vashem de Jerusalém, que concede, em casos alegadamente estudados
e provados, «o título de Gentio Justo a todos os não judeus que salvaram judeus
durante a guerra» (57). Ora, nós não sabemos que investigação foi essa para que,
a 21 de Fevereiro de 1961, fosse plantada uma árvore no Museu de Yad Vashem – mais
particularmente na Álea dos Justos – em memória de Aristides de Sousa Mendes.
E muito menos compreendemos como se poderá sustentar uma campanha internacional
que na actualidade se destina a angariar 2000 vistos concedidos por Aristides enquanto
cônsul em Antuérpia, visto que, como reconhece o embaixador Carlos Fernandes, tudo
aponta para mais uma descarada mentira que oculta o facto de o cônsul de Portugal
ter saído «de Antuérpia em meados de 1938, dois anos antes do começo da 2.ª grande
guerra no Ocidente, com a invasão da Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França, em 10
de Maio de 1940, pelas tropas de Hitler» (58).
Em Portugal, a mitificação de Aristides parece
ter começado em 1976, com um diplomata de cinquenta e nove anos, Nuno Álvares Adrião
de Bessa Lopes, que teria proposto a reabilitação do cônsul a uma comissão para
a reintegração de funcionários do Estado, que a recusou (59). E é então que entra
em cena Melo Antunes que terá ordenado que se estudasse o caso com vista à criação
de uma campanha anti-salazarista pós-abrilina. Nisto, o testemunho do embaixador
Carlos Fernandes não deixa margem para dúvidas, uma vez que, na qualidade de dirigente
dos Serviços Jurídicos do MNE no Verão de 1981, deu com Bessa Lopes no seu gabinete
em circunstâncias por ele próprio descritas:
«Trazia o Dr. Bessa Lopes na mão, sem qualquer
processo, um papel de informação, em que fazia considerações laudatórias hiperbólicas
sobre Aristides, acusando Salazar de o perseguir e de o ter privado
de vencimentos, atirando-o para a miséria. Fiquei perplexo, pois isto não condizia
com os conhecimentos que eu tinha de Sousa Mendes e do seu último processo,
adquiridos muitos anos antes, em 1948. Bessa Lopes não me disse então que
o embaixador Medina se tinha recusado a homologar a sua pseudo-informação,
mas queria que eu a homologasse. Omitia-me um facto muito importante.
O Dr. Bessa Lopes nunca conhecera nem lidara
com Sousa Mendes – pelo menos foi o que então me disseram –, e era considerado
no MNE por ser da extrema-direita, sem carreira brilhante mas com boa classificação
em Ciências Jurídicas da Universidade de Coimbra. Tinha até apresentado como estudo
para o seu concurso de acesso a ministro plenipotenciário, que já era, um trabalho
sobre o apartheid na República da África do Sul, onde estivera como cônsul,
defendendo esse apartheid, ao contrário da política tradicional do MNE, que
era e é contrária à discriminação racial.
Disse-lhe que a sua proposta de informação, que
ninguém lhe mandara fazer, sendo assim da sua exclusiva iniciativa – o que não
era normal no MNE – me surpreendia de tal maneira que eu iria estudar o processo
Sousa Mendes, que não conhecia, e depois o chamaria.
Pedi logo o processo. Estudei-o, verificando que
já lhe faltavam algumas peças, e conclui que a proposta de informação de Bessa
Lopes era, sobretudo, um tremendo ataque a Salazar, o que voltou a surpreender-me
profundamente, vindo de quem sempre me constara ser direitista, e um embuste pretensamente
a favor de Sousa Mendes.
Alguns dias depois, chamei Bessa Lopes,
e disse-lhe que não lhe homologaria a informação, por considerá-la desonesta,
e que o dispensaria imediatamente de trabalhar nos serviços que eu dirigia – vim
então a saber que o meu colega Medina já tinha recusado homologar-lhe aquela
proposta de informação. Não o despediria formalmente, dado o nosso anterior relacionamento
– eu até os tinha recebido na minha Embaixada no México, a ele e à mulher –, mas
impunha-lhe que fosse falar de urgência com o Secretário-Geral e lhe pedisse para
mudar de serviço, o que aconteceu.
Bessa Lopes, após
o 25 de Abril, ele, e mais alguém da sua família, teriam virado comunistas – não
sei se assim foi ou não; do que não há dúvida é que mudou radicalmente de orientação
política. Terá o ataque a Salazar sido a prova de admissão, ou de confirmação,
de Bessa Lopes no partido político extremista de Álvaro Cunhal? Houve no MNE quem
me garantisse que sim. Eu, contudo, não sei. Mas, se isto corresponder à verdade,
que miséria humana, meu Deus! Como é possível que se baixe tão baixo?
Eu só menciono esta hipótese porque não encontro
explicação racional, ou moralmente aceitável, para o que Bessa Lopes fez,
e quer tenha sido ele ou não quem voltou a pôr o seu papel no dossier. Do que também
não há dúvida é que alguém o colocou lá, de forma irregular e sub-reptícia.
Teve azar em dar com o embaixador Medina
e comigo. De contrário, teríamos um documento oficial do MNE a consagrar as maiores
barbaridades a respeito de Salazar, de quem é legítimo gostar ou não gostar,
concordar ou não com a sua política, mas já não é legítimo atacá-lo injustamente.
Mandei retirar o papel do processo (dossier),
porém, ou não o retiraram, o que duvido, dada a confiança que os meus colaboradores
administrativos me mereciam, designadamente, a arquivista, a competente e moralmente
impecável Alice, ou alguém voltou a colocá-lo lá, pois assisti, há anos,
à invocação dessa pseudo-informação por um dos netos de Aristides, como fundamento
indiscutível do martírio sofrido por este cônsul às mãos ditatoriais de Salazar.
E assim se faz a história!» (60)
Mas há mais: esta campanha interna e internacional
a favor de Aristides não só teve e continua a ter motivações de índole política,
mas também de ordem económico-financeira. Daí, pois, o caso da filha Joana, que
tentou, durante mais de 20 anos, «obter uma indemnização, por causa da injustiça
que Salazar teria praticado contra o pai, e, o que é certo é que, depois de
mover céus e terra, conseguiu-a, embora não a viesse a receber directamente» (61).
Há também o caso de um dos filhos mais novos de Aristides, João Paulo,
que «acabou por ser o factor decisivo do início internacional de apoio à tese da
salvação dos judeus, levando Tony Coelho, que então dominava a Câmara
dos Representantes nos USA, a encabeçar, a sério, ali, uma campanha entusiasta a
favor do protector, se não salvador, de milhares de judeus, em perigo
de vida.
E porquê este apoio delirante de Tony Coelho?
Porque queria o suporte do poderosíssimo lobby
judaico nos USA para as suas ambições políticas, que terminaram na Câmara dos Representantes
porque, politicamente, morreu cedo. Meteu-se em aventuras financeiras, e, como consequência,
morreu politicamente, embora continue fisicamente vivo» (62).
E como se não bastasse, uma vaga de procedimentos
maioritariamente ilegais se sucederiam para estabelecer uma das maiores mentiras
impostas ao mundo em geral, e ao povo português em particular, a saber:
1. A primeira cerimónia oficial de reabilitação
de Aristides levada a cabo por Mário Soares, então Presidente da República Portuguesa,
na Embaixada de Portugal em Washington (24 de Maio de 1987), condecorando-o, a título
póstumo, com a Ordem da Liberdade. E tudo sob a pressão dos «lobbies políticos,
português e americano (Tony Coelho e as suas delegações do Congresso Americano)»
(63);
2. A reintegração de Sousa Mendes como ministro
plenipotenciário de 2.ª classe que a Assembleia da República votou por unanimidade
a 13 de Março de 1988 (64);
3. A homenagem em Bordéus, num Domingo, a 29 de
Maio de 1994, rendida a Sousa Mendes pelo Presidente da República, Mário Soares,
e pela esposa Maria Barroso em conjunto com as autoridades da cidade: o prefeito
Landouzy, Claudine Geissmann, co-presidente do B’nay Brith na capital girondina,
Alexis Banayan, presidente do consistório, Dmitri Lavroff, adjunto do presidente
da Câmara, e os embaixadores de Portugal e de Israel (65);
4. A indemnização aos filhos de Aristides baseada
numa suposta demissão ou aposentação compulsiva (66). No fundo, um falso humanitarismo
destinado a encobrir interesses particulares à custa de uma substancial verba obtida
pelo Estado a título de indemnização, quando, na realidade, «o Governo de Salazar
agiu na mais perfeita legalidade» (67).
Consequentemente, a mentira é tão vasta, iníqua
e traiçoeira que até foi criada uma banda desenhada – Bordeaux dans la tourmente,
de Jocelyn Gille – com várias páginas consagradas a Aristides de Sousa Mendes (68).
Por outro lado, em Outubro de 1996, a companhia do Teatro de Portalegre foi ao ponto
de representar em Bordéus a peça Aristides, O Cônsul que Desobedeceu, da
autoria de António de Moncada de Sousa Mendes, neto de Aristides (69). E «no Neguev,
há uma mata com 10 000 árvores [alusão ao número de judeus supostamente salvos pelo
cônsul] que tem o nome de Sousa Mendes, o mesmo acontecendo com uma praça em Telavive.
Em Portugal há agora oito ruas Sousa Mendes e uma escola secundária, na Póvoa de
Santa Iria, nos arredores de Lisboa. Parece até que se pensou em dar o seu nome
à nova ponte sobre o Tejo [Ponte Vasco da Gama], inaugurada em 1998. Em Montreal,
num parque infantil, há uma placa que conta a história deste grande homem» (70).
Neste contexto assaz delirante, até o universitário
Adriano Moreira, em entrevista directa a José-Alain Fralon, afirmou que Sousa Mendes
«atacou um princípio até então absoluto: a legitimidade de origem tem de ser obedecida.
O Tribunal de Nuremberga estabeleceu que somos responsáveis perante os princípios
e que não podemos ir contra os valores humanos. A grandeza de Sousa Mendes foi ter
obedecido aos valores da humanidade» (71). E não menos delirante foi o facto de
José Miguel Júdice ter propalado uma grandíssima atoarda, para não dizer uma inaudita
judiaria quando entendeu, no âmbito do programa televisivo da RTP1 - «Os Grandes
Portugueses» (72) –, defender levianamente o «Wallenberg português» sem apresentar
as documentadas provas dos supostos factos aventados (73). Logo, caso nos venham
dizer que o Grande Português escolhido se explica com base num mero protesto
da maioria dos Portugueses quanto à situação de calamidade a que os políticos do
pós-25 de Abril conduziram Portugal, diremos, por contrapartida, que a principal
razão encontra-se plenamente explícita nas palavras do embaixador Carlos Fernandes:
«Ele – Oliveira Salazar – via as consequências
das consequências das consequências» (74).
Notas:
(1) Saliente-se desde já que o livro do embaixador Carlos Fernandes se apresenta como um desmentido, capítulo por capítulo, do livro panfletário de Rui Afonso, intitulado Aristides de Sousa Mendes, Um Homem Bom. Eis as palavras do embaixador: «(…) eu não vou escrever a favor ou contra Sousa Mendes, e, por isso, nem vou comentar aqui muitos dos livros que já se escreveram sobre o cônsul Aristides nem o filme que por aí agora se propagandeia, ou a vergonha da endoutrinação imposta pelo Ministério da Educação às crianças do Ensino secundário oficial. Apenas comento este livro de Rui Afonso, e já chega» (in Aristides de Sousa Mendes: a Verdade e a Mentira, edição de autor, 1.ª edição, 2013, p. 23).
(1) Saliente-se desde já que o livro do embaixador Carlos Fernandes se apresenta como um desmentido, capítulo por capítulo, do livro panfletário de Rui Afonso, intitulado Aristides de Sousa Mendes, Um Homem Bom. Eis as palavras do embaixador: «(…) eu não vou escrever a favor ou contra Sousa Mendes, e, por isso, nem vou comentar aqui muitos dos livros que já se escreveram sobre o cônsul Aristides nem o filme que por aí agora se propagandeia, ou a vergonha da endoutrinação imposta pelo Ministério da Educação às crianças do Ensino secundário oficial. Apenas comento este livro de Rui Afonso, e já chega» (in Aristides de Sousa Mendes: a Verdade e a Mentira, edição de autor, 1.ª edição, 2013, p. 23).
(2) José-Alain Fralon, Aristides de Sousa Mendes:
um Herói Português, Editorial Presença, 1999.
(3) Ibidem, p. 18.
(4) Acerca de Franco Nogueira e de Henrique Veiga
de Macedo, note-se esta passagem mui esclarecedora da autoria de Carlos Fernandes:
«(…) Porque é que os portugueses são um povo estranho, inconstante, muito moody,
e tão ingrato como os deuses. Reparem que, sendo, no tempo de Salazar, quase
toda a gente salazarista, com muitos milhares de políticos a ele favoráveis, depois
de morto e mudado o regime 180 graus, salvo Franco Nogueira, Veiga de
Macedo, e poucos mais, pode dizer-se que ninguém apareceu a defendê-lo, mesmo
quanto às mais evidentes mentiras, e ainda ninguém o fez quanto às monstruosas atoardas
do caso A. de Sousa Mendes, em que Salazar é persistentemente muito
mal tratado – é o pendant do bom (Aristides) contra o mau (Salazar).
Não deixa de ser curioso, por estranho, que tenha
sido preciso que alguém independente, sem a menor ligação política a Salazar,
e até olhando com simpatia para Sousa Mendes, movido apenas pelo amor da
verdade, e, porque, além de cansado de ouvir e ler tanta despudorada aldrabice,
foi provocado, concretamente, para o fazer, decidisse vir a público enfrentar um
lobby político e de interesses poderosíssimos, para repor as coisas nos seus
devidos termos» (ibidem, pp. 128-129).
(5) Cf. Franco Nogueira, Salazar, Vida e Obra,
I, Atlântica Editora, Coimbra, pp. 6-8. Por outro lado, é Rui Afonso quem, no intuito
de achincalhar Oliveira Salazar, insinua que «vivia como padre, e, “como muitos
padres desse tempo, tinha uma governanta que era ao mesmo tempo amante. Ela ficou
com ele até ao fim da vida nessa dupla função” (…).
Esta infâmia e mentira histórica, acrescidas da
propalação do boato de alfurja de que D. Maria e Salazar teriam casado secretamente
no leito da morte, revela quem é Rui Afonso». E assim o revela porque «repete
esta atoarda, na edição que os editores dizem ser muito cuidada, de 2009, que é
a única que eu, já muito enjoado estou comentando, quando já toda a gente sabe em
Portugal que D. Maria (…) morreu virgem, porque a isso foi dada grande
publicidade, depois de competente exame médico.
Esta deriva vergonhosa não teria qualquer significado
especial se não fizesse parte do programa de achincalhamento de Salazar,
na pretensão de assim valorizar Sousa Mendes. Ora, com lama não se valoriza
ninguém. Suja-se» (Carlos Fernandes, op. cit., pp. 169-170).
(6) José-Alain Fralon,
op. cit., p. 31.
(7) «(…) Aristides, cônsul em Antuérpia, não vivia lá. Até 1936, vivia em Lovaina,
cidade universitária tradicional, onde alguns dos filhos estudavam. E para mim,
tudo bem. Não era obrigado a viver em Antuérpia. Estava acreditado como cônsul geral
em todo o território belga» (in Carlos Fernandes, op. cit., p. 54).
(8) José-Alain Fralon,
op. cit., p. 31. Neste aspecto, vejamos ainda o seguinte trecho:
«A sua transferência para Bordéus, em 1938, depois dos 9 anos de Antuérpia, além
de não ser do seu agrado, complica-lhe a vida financeira de forma irremediável,
já que Bordéus, embora sendo também um porto, a ele arribavam poucos barcos portugueses,
não tendo por isso rendimento que pudesse comparar-se com o de Antuérpia, que o
habituou mal, levando-o a despesas exorbitantes na sua casa de Cabanas de Viriato,
casa de aldeia, sem terras anexas que as justificassem» (in Carlos Fernandes, op.
cit., p. 46). Mais: o cônsul Aristides costumava ausentar-se dos consulados
que regia sem a devida autorização, «porque não queria passar a gerência do Consulado».
Ou seja: «a motivação – segundo confidenciara o conselheiro Dr. Rebêlo da Silva
a Carlos Fernandes – teria que ver com os conhecidos e crónicos problemas financeiros
de Aristides» (in op. cit., p. 47). Demais, é igualmente sabido que Aristides
teria «pedido e obtido um empréstimo avultado do gémeo César, em fins de
1933», a quem, aliás, confessara que já devia ao Consulado 20.000 francos.
«E um mês depois, em carta de 20 de Janeiro de 1934, diz-lhe que vai precisar de
um novo empréstimo, esperando que o MNE não lhe complicasse a vida (por usar
dinheiros do Estado)» (in op. cit., p. 48).
(9) José-Alain Fralon,
op. cit., pp. 42-43.
(10) Ibidem, pp.
64-65. «Do memorando inglês, datado de 20/6/1940, entre
outras coisas, consta o seguinte: “O cônsul de Portugal em Bordéus protela para
fora das horas de expediente todos os pedidos de vistos, e cobra por ele taxas extraordinárias”.
“Pelo menos num caso foi ainda o interessado convidado a contribuir para um fundo
português de caridade antes de ser-lhe concedido o visto”» (in Carlos Fernandes,
op. cit., p. 62). Aliás, não era a primeira vez que Aristides pleiteara para
fins caritativos, conforme se segue: «(…) em 1923, quando servia em São Francisco,
Sousa Mendes entrou em choque com a comunidade portuguesa local ao pedir uma contribuição
para uma instituição de caridade portuguesa, que os luso-americanos se negaram a
pagar. O assunto, que não foi comunicado ao MNE, chegou à imprensa sob forma de
insultos, e aos ouvidos do MNE, que o considerou erro grave…» (cf. Avraham Milgram,
Portugal, Salazar e os Judeus, Gradiva, 2010, p. 102).
(11) É Avraham Milgram quem nos diz que foi um
advogado de Nova Iorque, Harry Ezratty, quem escrevera que Sousa Mendes «salvara
30 000 refugiados, dos quais 10 000 judeus» e que, «desde então, jornalistas e investigadores
têm repetido o número sem confirmarem a sua autenticidade». E mais adianta que «Ezratty
baseou-se na informação que lhe foi transmitida por Ilja Dijour, representante do
HIAS em Lisboa, para o número de 10 000 judeus entrados em Portugal durante a guerra»
(in op. cit., p. 149).
(12) Carlos Fernandes, op. cit., p. 112.
Curiosamente, Avraham Milgram também nos diz o seguinte: «um exame da lista de nomes
e de vistos que Sousa Mendes emitiu a judeus e não-judeus nos meses de Maio-Junho
de 1940 revela que o número de vistos é muito mais reduzido do que aquele que a
literatura aponta – o que de modo algum diminui a grandeza do seu feito. Segundo
as listas de vistos do consulado de Bordéus, Sousa Mendes emitiu 2862 vistos entre
1 de Janeiro e 22 de Junho de 1940. A maioria – 1575 – foi emitida a 11 e 12 de
Junho, nos últimos dias como cônsul em Bordéus. Nunca saberemos com rigor quantos
vistos foram concedidos nas secções consulares de Baiona e Hendaia, por onde passou
depois de ter sido chamado a regressar após a sua desobediência, porque nesses locais
emitiu dezenas sem o selo consular e escritos à mão, não tendo, por isso, sido registados
em lado algum» (op. cit., p. 101). Ora, em primeiro lugar, os «vistos» dados
por Aristides «à trouxe-mouxe, na fronteira entre Bayonne e Hendaye, foram recusados
pelos espanhóis, tendo sido completamente inúteis, como certamente foram os que
terá dado em Bordéus dessa revolucionária maneira. Portanto, com esses vistos revolucionários,
se os deu, não salvou ninguém, porque ninguém os respeitou, tendo mesmo sido
declarados oficialmente nulos por Portugal» (cf. Carlos Fernandes, op. cit.,
pp. 114-115). Depois, Sousa Mendes não emitiu os 2862 vistos entre 1 de Janeiro
e 22 de Junho de 1940, como pretende Milgram invocando uma nota de rodapé que diz
tão-só o seguinte: «Listas de vistos do consulado de Portugal em Bordéus». Mas,
ao invés, Carlos Fernandes, apoiado nos registos consulares, mostra-nos que «desde
o princípio do ano [de 1940] até ao fim do dia 19 de Junho, não se chegaram a dar
2.500 vistos no Consulado em Bordéus» (cf. op. cit, p. 17).
(13) «O mito dos 10.000 [vistos] a judeus tem
por base uma carta do judeu Ilja Dijour, e nasceu em 1960, 20 anos depois
dos factos ocorridos em Bordéus. Os mitos são assim. Levam tempo a nascer.
(…) Rui Afonso diz-nos que llja Dijour
e a mulher terão recebido vistos de Aristides em Bordéus, não indicando a
data, mas admitamos que sim. Ora, numa carta de Ilja para Robert Magidoff,
datada de 19 de Maio de 1960, aquele dirá que 10.000 judeus terão assim obtido refúgio
em Portugal. Parece querer insinuar-se que Aristides teria dado este número de
vistos a judeus. Mas isso não é verdade. Nem poderia sê-lo» (in Carlos Fernandes,
op. cit., pp. 119-120). E mais adianta o embaixador português: «Para se ver
até onde chega a crendice, atente-se no que o Embaixador dos EUA escreveu no Diário
de Notícias de 27 de Janeiro de 2012, propagandeando que A. de Sousa Mendes,
“desafiando ordens do seu governo, emitiu, numa só semana, mais de dez mil vistos
a judeus e outros refugiados, ajudando-os a sair de França”.
No entanto, é caso para perguntar a este embaixador,
que suponho político e judeu, se os serviços consulares da sua embaixada poderiam
emitir numa só semana, dez mil vistos, apenas com um funcionário e dois ajudantes.
Demais, a rebeldia de Aristides não durou uma
semana em Bordéus, mas apenas três dias incompletos» (in op. cit., p. 131).
(14) Ibidem, pp. 62-63. «Trabalhando 42
horas naqueles três dias, que nem foram dias completos, porque, no dia 18, o Consulado
esteve encerrado, não sabemos porquê nem por quanto tempo, isto daria 14 horas de
trabalho diário, ou seja, das 9 horas da manhã até às 11 horas da noite, o que não
creio que se pudesse manter assim naqueles três dias seguidos, tanto mais que Seabra,
não concordando com os vistos irregulares, certamente não estaria com o espírito
zeloso de Aristides, prestando-se a trabalhar 14 horas diárias durante
três dias seguidos. E sabemos que não esteve.
Mas, mesmo que todos cumprissem as 14 horas diárias
(das 9 às 11 da noite), teríamos, no máximo, cerca de 630 vistos, no total dos três
dias da ira (2.520 minutos, a dividir por 4 minutos por cada visto, em média, teríamos
630 vistos), o que está de harmonia tanto com o testemunho de Seabra como
com os registos consulares, que passaram, dos dias 17 inclusive para 19 inclusive,
de cerca de 1.900 para cerca de 2.500» (in op. cit., pp. 110-111).
(15) Ibidem, pp. 121-125. Na sequência
da polémica suscitada pela entrevista realizada no semanário O Diabo (2 de
Julho de 2013) ao autor de O cônsul Aristides de Sousa Mendes: a Verdade e a
Mentira, veio a lume, no número imediatamente seguinte (9 de Julho de 2013),
este trecho prenunciador de uma mais vasta e funda inquirição: «O Professor José
Hermano Saraiva revela no volume 6.º das suas Memórias, publicadas pelo semanário
“Sol”, uma conversa com o Professor Leite Pinto: “Fala, a propósito, na operação
de salvamento dos refugiados republicanos espanhóis e dos judeus que, no início
da Segunda Guerra Mundial, se acumulavam na fronteira de Irun, na ânsia de salvar
as vidas. Vieram embarcados nos vagões da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira
Alta, que iam até Irun carregados de Volfrâmio, e voltavam a Vilar Formoso carregados
de fugitivos. (…) Segundo um protocolo firmado pelas autoridades ferroviárias dos
dois países, os vagões deviam circular selados, quer à ida quer à vinda. Um dos
que assim salvaram a vida foi o Barão de Rothschild. O embaixador Teixeira de Sampaio
confirmou-me, mais tarde, esses factos. O salvamento de 30.000 refugiados deu-se
ao mesmo tempo que o cônsul de Portugal em Bordéus, em cumplicidade com dois funcionários
da PIDE, falsificava algumas centenas de vistos, que vendia por bom preço a emigrantes
com dinheiro. Um dos que utilizaram esta via supôs que todos os outros vieram do
mesmo modo – e assim nasceu a versão, hoje oficialmente consagrada, de que a operação
de salvamento se deve ao cônsul de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes. Este, homem
muito afecto ao Estado Novo, nem sequer foi demitido, mas sim colocado na situação
de aguardar aposentação. Os seus cúmplices da PIDE foram julgados, condenados e
demitidos”».
Ainda no respeitante à preocupação atenta de Salazar
perante a trágica desventura de milhares de refugiados acolhidos em Portugal, sobretudo
velhos, mulheres e crianças, ver o testemunho idóneo de Francisco de Paula Leite
Pinto (in Salazar visto pelos seus próximos – 1946-68, Bertrand Editora,
2007, pp. 157-168).
(16) Cf. op. cit., pp. 121-125.
(17) Relatório sobre as actividades da HIAS-ICA
em Lisboa, 1 de Julho de 1940 a 18 de Dezembro de 1941, Arquivos HIAS-HICEM, séries
I, fita magnética 30.
(18) Avraham Milgram, op. cit., pp. 150-151.
De facto, Milgram é um pau de dois bicos, especialmente quando diz que as motivações
de Sousa Mendes na sua desobediência ao MNE permaneceram aquém de uma resposta lógica
em virtude das suas várias possibilidades, tais como «conhecimento e amizade prévios
entre salvador e salvado, altruísmo, fé religiosa, princípios ideológicos, sentimentos
humanitários e outros». E afirmando tudo isto, acaba, na mais cabal e flagrante
contradição, por concluir que o comportamento de Aristides em Bordéus resultasse
«exclusivamente [de] motivações humanitárias» (op. cit., pp. 102-103;
negrito é de nossa autoria).
(19) New York Times, 15.12.1940; 19.8.1941.
(20) Vol. 46, 18 de Setembro de 1944 a 7 de Setembro
de 1945, p. 238.
(21) Patrick von zur Mühlen, introdução histórica
ao catálogo da exposição sobre os refugiados em Portugal, 1933-1945, realizada no
Goethe Institute, Lisboa, 1994, ibid., p. 10, e idem, «Portugal, itinerário
da fuga», Vértice, n.º 6, Nov./Dez. 1995, p. 13.
(22) Judeus em Portugal. O Testemunho de 50
homens e Mulheres, Versalhes, Edeline Multimédia, 2002, p. 39.
(23) Avraham Milgram, op. cit., pp. 148-150.
(24) «(…) Maurice Sachs, um judeu que criticava
esses fuyards, disse que causavam riso, ao darem-se uma suposta grande
importância, anunciando que tinham a vida em perigo perante o avanço rápido dos
alemães pela França fora, como se Hitler estivesse preocupado em os encontrar para
os meter num campo de concentração ou fuzilá-los imediatamente. Não sou eu que
digo isto, é Sachs!» (Carlos Fernandes, op. cit., p. 36). Isto é:
o «que se passou em França, a partir de 1942, é outra história (…). Era o futuro;
não foi o presente em 1940…» (op. cit., p. 37).
(25) In Avraham Milgram, op. cit., p. 84.
(26) Carlos Fernandes, op. cit., p. 60.
«Ainda ninguém se abalançou a descrever as acções e ambientes das diversas organizações
de espionagem instaladas no nosso país durante a Guerra de Espanha e o segundo conflito
mundial. Lisboa e o Estoril foram os maiores centros de guerra secreta do Ocidente,
desde 1936 a 1946. Setúbal, Porto e Caldas da Rainha tiveram “sucursais” fomentadoras
de redes de informações. Milhares de informadores viviam à margem de actividades
insuspeitadas pelas populações» (Francisco de Paula Leite Pinto, in Salazar visto
pelos seus próximos, p. 160).
(27) Avraham Milgram, op. cit., pp. 16-17.
(28) Segundo Avraham Milgram, para o regime ditatorial
de Salazar «os refugiados eram, à partida, potenciais inimigos» (op. cit.,
p. 72). Para o efeito, faz também a caricatura dos costumes morais do Portugal de
então como avesso aos padrões da modernidade, personificados pelo progresso e pelas
«ideias avançadas que sopravam das democracias ocidentais» (op. cit., pp.
141-142). Mas até aí a caricatura não soa muito convincente, pois Salazar sabia
muito bem o que, na sua essência, tais democracias ocidentais valiam para a destruição
do Ocidente em geral, e de Portugal em particular:
«Falamos com inteira franqueza do desconcerto
europeu.
Heis-de ver nos países pacifistas pregar-se a
guerra santa contra os países de ordem, e os que pretendem evitar lutas entre os
povos por motivos ideológicos promoverem a união das democracias contra as ditaduras.
Vereis em nações que blasonam de livres serem negadas liberdades reconhecidas e
praticadas nos Estados autoritários; em nome da independência dos Estados admitida
a ingerência, na sua vida interna, de organismos revolucionários estrangeiros, e
em nome da igualdade dos povos na comunidade internacional ir-se pouco a pouco substituindo
à livre associação dos Estados um super-Estado em que por tal caminho se afundará
a real independência dos pequenos países» (Oliveira Salazar, «A Embaixada da Colónia
Portuguesa no Brasil e a nossa Política Externa», Discurso proferido no Gabinete
do Presidente do Conselho em 15 de Abril de 1937, diante dos comissionados pela
colónia portuguesa no Brasil para cumprimentar o Governo, in Discursos e Notas
Políticas, II, 1935-1937, Coimbra Editora, 1945, pp. 278-279.
(29) Avraham Milgram, op. cit., p. 109.
O ataque insidioso do autor torna-se igualmente patente nesta passagem: «Da correspondência
do MNE com as suas delegações através da Europa, bem como das reacções às solicitações
particulares de judeus a Salazar, desenha-se uma fronteira pouco clara entre formalismo
burocrático e motivações anti-semitas…» (in op. cit., p. 85). Semelhante
insídia encontra-se igualmente em José-Alain Fralon: «A 13 de Novembro de 1939,
[Aristides] recebeu, como todos os diplomatas portugueses, no estrangeiro, uma circular
do Ministério dos Negócios Estrangeiros – a circular n.º 14 – que eliminava radicalmente
a tradição de hospitalidade de Portugal, velha de séculos, e que introduzia oficialmente
uma noção desconhecida até àquela data: a segregação racial e religiosa» (op.
cit., p. 43). Perante esta enormidade não é, no entanto, de excluir a possibilidade
da existência de alguns elementos anti-semitas na polícia ou nas secretarias do
governo em voga. Agora, não embarcamos na indução de possíveis casos particulares
para uma generalização manifestamente abusiva quanto à imagem de um regime que se
quer ver, directa ou indirectamente, conotado com o anti-semitismo.
(30) Patrick von zur Mühlen, Fluchtweg Spanien-Portugal
– Die deutsche Emigration und der exodus aus Europa 1933-1945, Bona, Dietz,
1992, p. 129.
(31) Adolfo Benarus, O anti-semitismo,
Lisboa, 1937, p. 15.
(32) Op. cit., pp. 32-37
(33) Op. cit., pp. 97-98.
(34) Op. cit., pp. 31 e 198-199.
(35) Avraham Milgram, op. cit., pp. 66-67.
(36) É o que Milgram deixa entrever quando, a
propósito de Salazar e do seu regime, empola a questão em defesa exclusiva dos judeus:
«Como portugueses identificados com o regime de Salazar, obedientes às leis do país,
aos seus dirigentes e instituições, e temendo os tentáculos da ditadura, que inspirava
terror em toda a sociedade portuguesa, os membros da Secção da Assistência aos Refugiados
da CIL [Comunidade Israelita de Lisboa] optaram pelo princípio judaico de obedecer
à lei do país em detrimento do outro princípio segundo o qual os judeus são responsáveis
uns pelos outros» (op. cit., pp. 195-196).
(37) Op. cit., pp. 65-66. No entanto, Mário
de Saa também dissera que Portugal «é hoje a nação que mais do que todas as outras
do mundo protege os judeus, mercê d’afinidades rácicas. Portugal é uma Nova Palestina…».
De resto, a «partir do Verão de 1940, Lisboa tornou-se um dos centros mais importantes,
a seguir a Genebra, de actuação das organizações judaicas internacionais. Durante
a guerra, actuavam aí a Joint e a HICEM, o Congresso Judaico Mundial e a Agência
Judaica. Todas estas organizações investiam muitos esforços e dinheiro na assistência
aos refugiados, na organização da sua emigração para o continente americano e para
a Palestina e no envio de grandes quantidades de alimentos para os esfomeados nos
guetos e nos campos de concentração…» (Avraham Milgram, op. cit., pp. 153-154).
(38) A Polónia e a Roménia “procuraram reduzir
consideravelmente o número de judeus que viviam dentro das suas fronteiras, estabelecendo-os
em Angola. Ou seja, à custa de Portugal. Portugal tornara-se para estes países um
objectivo estratégico, uma das soluções previstas pelos seus governos antes do eclodir
da Segunda Guerra Mundial” (cf. Avraham Milgram, op. cit., pp. 18-19).
(39) Armindo Monteiro a Salazar, Londres, 14.2.1938,
AHD, 2.º P. A-43, M-81.
(40) Este delegado chefiava a comissão pública
para encontrar um território autónomo para os judeus. Armindo Monteiro a Salazar,
Londres, 25.11.1938.
(41) O cônsul em Haia, Tavares, a Salazar, 16.12.1938.
(42) Avraham Milgram, op. cit., pp. 121-122.
(43) Oliveira Salazar, «O suposto arrendamento
de Angola à Alemanha», nota oficiosa publicada nos jornais de 29 de Janeiro de 1937,
in Discursos e Notas Políticas, II, 1935-1937, Coimbra Editora, 1945, pp.
257-259.
(44) Ibidem, pp. 261-262.
(45) Ibidem, pp. 263-264.
(46) Avraham Milgram, op. cit., pp. 123-124.
(47) Ibidem, pp. 124-125.
(48) Cf. José-Alain Fralon,
op. cit., pp. 63-64. A título deveras pertinente,
diz-nos o embaixador Carlos Fernandes que o comportamento estranho de Aristides
esteve relacionado com os seus problemas com a amante Andrée e, para além disso,
com a endoutrinação messiânica do rabino Kruger aquando dos três dias e três
noites em que o cônsul, transpirando e gemendo, ficou a dar voltas na cama (op.
cit., pp. 98 e 149). Demais, quando do encontro de Pedro Teotónio Pereira com
Sousa Mendes na fronteira franco-espanhola, o seu testemunho dá conta de um homem
sem a mais ligeira noção dos actos cometidos: «Exigi-lhe que me explicasse tão insólita
actuação […] De tudo o que ouvi e do seu aspecto de grande desalinho, fiquei com
a impressão de que o homem estava profundamente perturbado e fora do seu estado
normal» (in José-Alain Fralon, op. cit., p. 80). Depois, há ainda o caso
que raia a loucura total de Aristides e de Andrée, já então em Cabanas de Viriato
onde os problemas de dinheiro eram uma constante: «(…) uma noite, Aristides e Andrée,
tinham convidado os amigos, os que restavam, para jantar. Toda a gente tinha chegado.
Andrée, cuja noção do tempo era ainda mais imprecisa do que a do dinheiro, que detestava
tudo o que lhe parecesse uma imposição, brilhava pela ausência. Ao verificar que
nenhum vestido lhe agradava, desmanchou um cortinado de veludo vermelho, enrolou-se
nele e desceu para junto dos convidados. "Estava encantadora", dirá mais
tarde Aristides a Maria Rosa» (cf. José-Alain Fralon, op. cit., p. 102).
(49) Carlos Fernandes, op. cit., pp. 33-34.
Mais pormenorizadamente, adianta o embaixador Carlos Fernandes: «(…) Salazar
nunca o mandou aposentar, já que, aguardando aposentação, ganhava o seu vencimento
por inteiro (1.595,30 em 1940, e, em 1953, creio que 2.304,00). Portanto, morreu
sem ter sido aposentado, recebendo o seu vencimento por inteiro, após o termo
do ano de inactividade» (op. cit., p. 44).
(50) «(…) até quase à morte, Aristides
foi inteiramente dominado pela ideia fixa, ou obsessão, de voltar a ser cônsul no
estrangeiro, e, a certa altura, mesmo de voltar a sê-lo em Bordéus, chegando a pedir
a anulação do decreto pelo qual fora, oficialmente, destituído daquele posto consular.
Nunca admitiu que tal nomeação fosse apenas uma linda miragem. Daqui o ódio visceral
a Salazar, e a sua adesão ao MUD, etc., o que nada o beneficiou» (Carlos
Fernandes, op. cit., p. 184). Demais, «(…) Aristides nem sequer era
comedido e prudente quanto aos seus insultos contra Salazar. Isso de o apelidar
como sendo “o bandido”, em conversa pública com um engraxador, parece-me
que não revela boa índole, além de uma grande ingratidão para com Salazar,
que lhe aplicou a punição mais benévola que poderia ser-lhe aplicada (fugindo às
penas criminais e disciplinares), com excepção da proposta por Paula Brito,
que o Conselho do MNE não aprovou.
(…) De facto, além de apelidar Salazar
de “o bandido” em conversa com o engraxador do primo Abranches Pinto
quando vai à assembleia de voto, creio que em Cabanas, perante o crucifixo e os
retratos de Carmona, à direita, e de Salazar, à esquerda, (era na
escola local), Aristides diz: o bom e o mau ladrão, por Carmona
e Salazar» (op. cit., pp. 188-189 e 200).
A questão do ódio visceral contra Salazar também
foi, por motivações diversas, característica comum a outras figuras previamente
conotadas com o regime salazarista, nomeadamente Henrique Galvão e Humberto Delgado.
Sobre este último, diz-nos o embaixador Carlos Fernandes que o seu ultra-salazarismo
extinguiu-se por questões de ambição pessoal, pois fora-lhe sucessivamente recusado
o Governo de Angola, a administração dos Caminhos de Ferro e o Banco Nacional Ultramarino.
Daí o ter-se apresentado, em 1958, como candidato a Presidente da República pela
oposição, e, como tal, na qualidade de democrata por ressentimento ou simples oportunismo
político. E quem «diria que, chegado ao Brasil em 1961, Delgado haveria de proclamar
o seu visceral anticolonialismo, aliado ao anti-salazarismo!» (op. cit., pp.
202-204).
De resto, as veleidades teatrais de Humberto Delgado
foram tantas, que não nos coibimos de transcrever este trecho hilariante no âmbito
do assalto ao paquete Santa Maria por Henrique Galvão: «Ao anoitecer, a bordo
de um pequeno barco de pesca alugado pelos repórteres das revistas Life e Time,
Humberto Delgado consegue encontrar o Santa Maria. “Bem-vindo, meu general”,
recebe-o Miguel Urbano Rodrigues. Dezenas de turistas fotografam o momento. Mas
quando Humberto Delgado sobe a bordo, o gancho de uma grua do navio solta-se, acerta-lhe
nas costas e fica preso ao seu cinto elevando-o um pouco e tirando-lhe os pés do
chão. O general, vestido de fato e gravata, agarra-se à escada e ameaça cair ao
mar. Mas consegue recuperar o equilíbrio, solta um palavrão e põe as culpas no jornalista
que o recebe: “Vou destruí-lo!”» (in Pedro Jorge Castro, O Inimigo n.º 1 de Salazar.
Henrique Galvão, o líder do assalto ao Santa Maria e do sequestro de um avião da
TAP, A Esfera dos Livros, 2010, pp. 175-176). Mas o caso não ficaria por aqui:
«Dois dias depois, um jornalista português mandará para Lisboa este episódio descrito
como um “pormenor pitoresco”: “Assim mesmo, um pouco pendurado e esperneando, voltou-se
para trás exclamando para a sua secretária que o acompanhara na lancha e foi também
a bordo: ‘Se eu morrer, diga à minha mulher: Morreu como um herói…’”» (op. cit.,
p. 175). Depois, o episódio que se segue é não menos irrisório, porque permite
evidenciar a postura arrogante e a auto-importância que o ex-salazarista atribuía
a si próprio: «Humberto Delgado começa por falar com Galvão a sós. Apenas duas horas
depois manda chamar os dirigentes espanhóis, que se encontravam a beber uísque no
bar. Já passa da meia-noite. Como vê que não se levantam, Frias de Oliveira avisa-os:
“Sua excelência o general Delgado não gosta que o façam esperar”. “Se o teu general
não quer esperar, ele que vá para o caralho”, responde Velo…» (op. cit.,
p. 176).
Quanto a Henrique Galvão, o seu ressentimento
e revolta contra Salazar nasceu, em grande medida, do facto de se não sentir profissionalmente
reconhecido por um ditador que não aparava os seus anseios e ambições surreais.
Aliás, o seu estilo bajulador para com Salazar não nos deixa mentir: «Nunca tive
a fortuna de servir directamente sob o mando de V. Ex.ª, e nada do que fiz de mais
visível teve o mérito de interessar V. Ex.ª a ponto de me querer conhecer mais de
perto – eu fiquei, perante as circunstâncias que foram mais eloquentes que os meus
actos, e perante V. Ex.ª, não como o homem que sou, na realidade das minhas qualidades
e dos meus defeitos, mas como a pessoa que os elementos intermediários entre mim
e V. Ex.ª querem que eu seja» (op. cit., Apêndice Documental, Anexo 2, p.
316).
(51) Carlos Fernandes, op. cit., p.
237.
(52) José-Alain
Fralon, op. cit., p. 76.
(53) Ob. cit., p.
79. «Salazar, ao não aceitar as propostas do Conselho
do Ministério, não teve em conta a penalização disciplinar, e muito menos
a criminal, aplicando a Aristides uma punição de facto, mas não uma pena disciplinar…»
(Carlos Fernandes, op. cit., p. 236). «Salazar, que não era tão insensível
como dizem, compreendeu as circunstâncias da atitude de Aristides, as que lhe eram
exteriores e as suas internas, do foro psicológico, e recusou-se a despromovê-lo
ou a condená-lo formalmente, aplicando-lhe uma pena, mesmo que fosse só disciplinar.
Não quis ir por ali. Apenas entendeu que, nas circunstâncias do momento, Sousa
Mendes não se encontrava em condições de exercer convenientemente as funções
de cônsul de Portugal no estrangeiro. Apesar disso, ninguém lhe agradeceu, ou compreendeu.
Ou quis e quer não compreender.
Ah, mas deu-lhe cabo da vida.
Não deu, quem lhe deu cabo da vida, a ele e aos
familiares, foi ele mesmo, seja qual tenha sido a motivação do seu actuar, e os
méritos ou deméritos desse actuar, então ou ex post facto» (op. cit.,
p. 246).
(54) Avraham Milgram, op. cit., p. 98.
«(…) o facto de Aristides de Sousa Mendes falecer no hospital da Ordem Terceira
de S. Francisco, ao Chiado, não tem, para mim, qualquer significado especial, de
riqueza ou pobreza, porque não prova nada do que, agora, pretendem provar – que
morreu lá porque morreu na miséria, onde Salazar o tinha lançado. Foi
para ali por razões logísticas – era o hospital mais próximo. Porque poderia
ter ido, com vantagem, para um hospital público, tal qual foi para um particular.
Demais, regressava de uma viagem a França, ele
e a mulher, estando hospedados num hotel do Chiado, em Lisboa, o que não se faz
quando se está na mais completa miséria» (Carlos Fernandes, op cit., p. 209).
(55) José-Alain Fralon, op.
cit., p. 100.
(56) Carlos Fernandes, op
cit., pp. 89-90.
(57) José-Alain Fralon,
op. cit., p. 108.
(58) Carlos Fernandes, op. cit., p. 323.
«(…) Aristides, como cônsul em Portugal, quer em Antuérpia quer em Bordéus,
deu seguramente muito mais do que os 2000 vistos de que se querem juntar provas.
Duvido, porém, que tenha sido esse o número dos vistos dados a judeus.
Mas, repetimos, isto não quer dizer nada como
protecção ou não protecção seja a quem for. Continuamos numa tentativa de mitificação,
a meu ver estúpida, por se basear na mentira, já que Portugal foi sempre contra
a discriminação racial. Creio que nem por motivos estatísticos esta campanha, parece
que judaica, tem qualquer sentido, e muito menos como brincadeira racial, sempre
de mau gosto» (op. cit., p. 326).
(59) Ibidem, p. 68.
(60) Ibidem, pp. 64-67.
(61) Ibidem, p. 263.
(62) Ibidem, p. 263. Em José-Alain Fralon
também se confirma o sobredito: «Em Junho de 1986, John Paul redigiu uma petição,
que acabou por ser assinada por 2800 pessoas e publicada no New York Times,
para ser enviada às autoridades portuguesas a pedir a reabilitação de Sousa Mendes.
Em 1987, sempre impulsionada por Tony Coelho, a Câmara dos Representantes adoptou
uma resolução Paying special tribute to Dr. De Sousa Mendes for His extraordinary
acts of mercy and justice during World War II (“Para prestar um tributo especial
à memória do Dr. Sousa Mendes pelos seus extraordinários actos de misericórdia e
de justiça durante a Segunda Guerra Mundial”). O representante Robert Jacobvitz
recebeu a propósito disso uma carta de Ted Kennedy, em que este se afirmava “co-responsável”
por esta resolução e se punha à disposição dela para quaisquer outras acções a favor
da memória de Sousa Mendes» (in op. cit., pp. 109-110).
(63) Cf. Carlos Fernandes, op. cit., p.
253. «Contudo, o que revela o poder daqueles lobbies, interna e internacionalmente,
os filhos de Aristides acharam pouco, não reconhecendo prestígio à Ordem
da Liberdade, pós-abrilina e dada a esmo a quase toda a gente, pedindo mais (…).
E que fizeram os políticos portugueses, incluindo
o Presidente da República e o Governo? Cederam à pressão, e deram-lhe a Ordem
de Cristo! E nada menos do que no grau mais elevado, isto é, a grã-cruz que,
normalmente, nunca poderia ter.
(…) Que poderoso se tem mostrado o lobby Sousa
Mendes, interna e internacionalmente, a ponto de impor ao Estado português acções
que, imparcialmente, parecem, quando menos, bizarras.
E é assim que Sousa Mendes obteve a Ordem
da Liberdade, e depois, a Ordem de Cristo. A ressurreição é que não será possível.
Tem de ir-se para o mito» (op. cit., p. 254).
(64) Ora, o embaixador Carlos Fernandes demonstra
que tal nunca se poderia ter processado legalmente, já que «Aristides
pertenceu à carreira consular e não à diplomática, e, sendo cônsul de 1.ª classe
em 30 de Outubro de 1940, cônsul de 1.ª classe continuou a ser até que faleceu em
3/4/1954, nunca tendo sido demitido ou aposentado compulsivamente», como
aliás exigia, para efeitos da respectiva reintegração, o artigo 2º do Decreto-Lei
173/74 (op. cit., pp. 269-270). E mais nos descreve pormenorizadamente como
os deputados da Assembleia da República, entre eles José Manuel Mendes, Isabel Espada,
Narana Coissoró e Leonardo Ribeiro de Almeida, alegaram argumentos falaciosos para
justificarem a já referida reintegração de Sousa Mendes. Em suma: «A falsificação,
seja do que for, é a negação da verdade, e, como tal, aberrante, sendo a falsificação
da História uma das mais aberrantes. E, se a falsificação for feita por diploma
legislativo, estaremos perante a mais completa destruição de uma ordem social baseada
no Direito e na Moral, que são os pilares da democracia.
A história não se faz por lei ou decreto-lei,
que são sempre instrumentos políticos manuseados por quem tem o poder de fazer a
lei.
Ora, isto foi apanágio dos estalinismos, mas não
pode sê-lo dos Estados de Direito» (op. cit., pp. 256-259).
(65) Cf. José-Alain Fralon,
op. cit., p. 113. «"É uma grande honra e uma grande emoção",
afirmou Mário Soares, “estar aqui para prestar homenagem a Aristides de Sousa Mendes,
este grande português, este português simples, um homem modesto que soube, contra
as ordens de Salazar, cumprir os seus deveres de humanidade”» (in op. cit.,
p. 114).
(66) «(…) Para calcular aquela indemnização, tentou-se
saber quanto é que a Caixa Geral de Aposentações lhe teria pago. Esta não conseguiu
encontrar rasto dessa aposentação, e, apesar de reiteradíssima insistência do MNE,
nada veio a encontrar. É óbvio que nada poderia encontrar, uma vez que Aristides
nunca foi aposentado (…).
Porém, toda a argumentação que os diversos serviços
do MNE tomaram como base factual da indemnização, sem se darem ao trabalho de investigar,
se com razão ou sem ela, já que tinham no MNE elementos para isso, foi a demissão
ou a aposentação compulsiva, ambas inexistentes. Fizeram o mesmo que a Assembleia
da República.
(…) Finalmente, depois de muitos cálculos e recálculos,
chegaram os serviços do MNE à conclusão, provisória, de que a indemnização justa
seria de 769.869$00.
Parecendo isto pouco, foram procurar novas bases
de cálculo, e chegaram ao montante de 8.585 contos, ou, por outro cálculo mais favorável,
a 14.308 contos.
Como a Lei 51/88, com base no disposto no artigo
2º do Decreto-Lei 222/75, de 9 de Maio, aditando um n.º 3 ao artigo 1º no Decreto-Lei
173/74, impôs que a indemnização fosse só para os filhos, os filhos e os netos de
Aristides não se entenderam, e, assim, não foram capazes de apresentar no
MNE, em tempo útil, documentação válida de habilitação de herdeiros, pelo que, afinal,
nada lhes foi dado, directamente.
Depois de o MNE andar a empurrar o pagamento da
indemnização para o Ministério das Finanças, sem conseguir que este aceitasse o
encargo, Jaime Gama, à falta de legal habilitação de herdeiros para receberem
a indemnização, terá sugerido, ou aceitado a sugestão, de criar uma fundação, à
qual seriam dados não só os 15.000 contos já despachados, mas, ainda, mais 50.000
contos, com 2.000 contos de subsídio anual, fundação que, com a ajuda do MNE, veio
a ser constituída por escritura de 23 de Fevereiro de 2000, e reconhecida oficialmente
pelo Secretário de Estado da Administração Interna, Luís Manuel dos Santos Silva
Patrão, em 21 de Março do mesmo ano [os 65.000 contos, adicionados pelos 2.000 contos
anuais então prometidos, vêm confirmados nos documentos anexos que o embaixador
Carlos Fernandes reuniu no seu livro].
Mas, como as Finanças não quiseram pagar e não
havia verba para isso no orçamento do MNE, Jaime Gama fez todas estas liberalidades
extorquindo-as ao FRI (Fundo para as Relações Internacionais), que não é constituído
por verbas do Estado mas sim pelas compensações pessoais emolumentarmente cobradas
pelos serviços consulares portugueses.
Não é, portanto, verba do orçamento do Estado,
de que o MNE é órgão.
E assim se dispõe do dinheiro dos outros, ao sabor
do arbítrio político do momento. O FRI não é nem pode ser político. Seria o maior
abuso dos abusos politizá-lo.
(…) Hoje, francamente não sei do que vive [a Fundação
Aristides de Sousa Mendes], esperando que não continue a receber do FRI o correspondente
aos 2.000 contos prometidos por Jaime Gama, porque, se os recebe, é um escândalo
intolerável.
E conviria saber o destino que os activistas netos
de Aristides deram efectivamente à avultada verba que Jaime Gama e
Ribeiro Menezes puseram à disposição deles, isto é, utilizaram-na, directa
ou indirectamente, em proveito próprio, ou para outras finalidades, e, neste último
caso, concretamente quais?» (op. cit., pp. 271-274).
(67) Ibidem, p. 252. E, para que não se
impute ao Governo de Salazar a situação trágica em que Sousa Mendes se viu pessoal
e profissionalmente envolvido, é preciso não esquecer que o cônsul teve, ao longo
da sua atribulada carreira, oito repreensões e cinco processos disciplinares
(op. cit., p. 171).
(68) Cf. José –Alain Fralon,
op. cit., p. 114.
(69) Ibidem, p.
114.
(70) Ibidem, p. 112. Mas há sempre mais:
em 2005, na Grande Sala da Unesco em Paris, o barítono Jorge Chaminé organiza uma
Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados
nas comemorações dos 60 anos da Unesco. Em Viena, Áustria, no Vienna International
Center, onde estão sedeados diversos organismos da ONU, como a Agência Internacional
de Energia Atómica, existe um grande passeio pedonal com o nome do alegado diplomata
português, denominado Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade.
(71) Ibidem, p. 116.
(72) O concurso, baseado no programa de grande
êxito da BBC – Greatest Britons –, foi realizado de 25 de Outubro de 2006
a 25 de Março de 2007. O vencedor do concurso foi António de Oliveira Salazar com
41% dos votos dos Portugueses.
(73) Não esqueçamos que J. M. Júdice chegou a
ser bastonário dos advogados, pelo que das duas uma: ou não sabe o que são provas
para sustentar os "factos" que publicamente alega, ou não se deu simplesmente
ao cuidado de averiguar o que propalou na televisão portuguesa. Estamos em crer
que a segunda alternativa é a verdadeira por mais conveniente ao seu vil propósito
de atacar António de Oliveira Salazar.
(74) Carlos Fernandes, op. cit., p. 290.
O negrito é de nossa autoria.
http://v-imperio.com/2018/03/03/1283/