Tácito, na sua Germanie, descreve «sociedades de homens» nascidos da luta e consagrados a Odin, deus da vida soberana e da guerra. São eles os Catos e os Harias. Depois deles, houve os hoplitas de Esparta, os legionários romanos, os cavaleiros teutónicos, os mosqueteiros cinzentos, a guarda imperial, os cadetes da Santa Rússia. Outros tantos golpes poderosos assestados sobre a bigorna da história. Outros tantos sonhos tornados realidade. Pelo sangue derramado.
Tudo isso se confunde num eterno passado-presente — no entrelaçado do tempo. Cameron, Maratona, Lepanto, Estalinegrado, Bir-Hakeim, é ao mesmo tempo ontem, hoje e amanhã. Como tudo o que, na história, tem voz, e está vivo.
Nas edições André Balland, a colecção «Corps d’élite» foi confiada a um antigo combatente da Argélia: Dominique Venner. Dez volumes apareceram já: Les Samourai, Les Marines, La Légion, Les Paras, La Haganah, Les Waffen SS, Les Cosaques, L’Afrika Korps; Les Commandos e Les Chevaliers Teutoniques. São aventuras e combates. Mas também evocações de um tipo de homem fora do comum.
É preciso não alimentar ilusões. Um corpo de elite não se define como tal senão quando o exército, tomado no seu conjunto, já não é um exército de elite. É então que o corpo de elite se torna a sua quinta essência e o seu modelo. O corpo de elite recorda a época em que todo o exército era à sua imagem porque composto, no essencial, por voluntários.
Ao soldado, que exercia a profissão das armas para receber um «soldo», opunha-se o guerreiro — o qual, longe de estar encarregado apenas da protecção da sociedade civil, constituía o verdadeiro núcleo da organização social. O dever (para todos) do serviço militar, produto da democratização da guerra, não havia ainda substituído o direito (para alguns) de trazer armas. É neste sentido que a existência de unidades de elite na época contemporânea traduz também a decadência da coisa militar e a evolução dos exércitos regulares. E não será um acaso que os Estados Unidos, o país ocidental mais instintivamente antimilitarista, porque o mais fundamentalmente hostil a toda a sociedade hierárquica, criaram os marines, que são, simultaneamente os seus reprovados (aqueles que são escondidos por serem os mais diferentes) e o seu último recurso.
O soldado de elite droga-se com a vida um pouco forte. Suprema indiferença. «Em Esparta», recorda Maurice Bardèche, «a educação não tinha outro objectivo que não o de exaltar a coragem e a energia. Aos 12 anos, começava o treino viril. Vida colectiva, cabelos cortados curtos, leito de junco que cada um fazia, pés nus para andar e correr, túnicas sem qualquer outra espécie de roupa interior, corpos nus durante os exercícios no estádio» (Sparte et les Sudistes).
François d’Orcival descreve uma parada entre os marines: «Movimentos cruzados, em quadrados, em círculos, em linha. Bailado terrível de fuzis e de homens que nada acompanha. Os guerreiros sós. Mas solidários, aparentados, do mesmo sangue. Estranhos ao mundo. Reparai como eles se assemelham: o mesmo sorriso de criança grave gravado na cara de um homem que já levou a melhor sobre a morte».
Dar uma absoluta confiança em si próprio. Mas em primeiro lugar, como no estádio, ultrapassar a fadiga, ir até aos limites do esforço. Encontrar-se arquejante, semimorto, no fim das suas próprias energias, com o orgulho de haver realizado o impossível e de se conhecer verdadeiramente. A guerra: os Jogos Olímpicos a todo o momento. Tendo, por árbitro, a bala e a faca.
Entre os marines, o Yes sir!, fornece o élan. «A instrução dura oito semanas», diz o Drill Instructor aos seus alunos. «Durante esse período, as três respostas mais importantes que vocês terão de dar são: Sir, Yes sir, No sir!». Começa-se por se pensar que o sargento é um pouco atrasado mental. Mas depois, começa-se a perceber. Ao fim de quatro semanas, «o sargento torna-se um deus aos olhos dos seus rapazes. Um deus, um diabo, um leão. Porque tem fibras de aço no coração, porque é o melhor em tudo, porque anda com os outros, porque bebe mais do que os outros. Porque nada lhe faz medo».
Liberdade, igualdade, fraternidade: apenas no terreno isso se torna verdade. «Na Haganah, as graduações não dão direito a qualquer privilégio. Para além do de partir ao assalto à frente dos seus homens, gritando Aharaï (‘Segui-me!?)», assinala Thierry Nolin.
Uma lei que nunca foi escrita
O exemplo? Jean Mabire e Yves Bréheret citam o de um piloto kamikaze que se vai esmagar sobre o porta-aviões aliado. «Ele pica com toda a força dos seus motores e da sua vontade. Não quer pensar em nada mais do que nesse navio inimigo que cresce e que ele não deve falhar. Por nada no mundo. Ele é o chefe e o exemplo. Sente contra a sua coxa o punho do seu sabre de samurai. Os segundos parecem séculos. Pica. Neste momento ele é, por si só, todo o Japão. Ele devém, simultaneamente, um torpedo e uma nação.»
Drieu la Rochelle dizia: «Há muita acção no homem de sonho, e muito sonho no homem de acção».
Um dia em que o imperador do Japão tinha dirigido uma mensagem em que fazia o elogio a um dos seus grandes servidores, este, lendo-a, apercebeu-se de que esta estava redigida no passado. Compreendendo a alusão, fez seppuku («hara-kiri») para pôr de acordo os factos com o tempo dos verbos.
O soldado das tropas de elite encarna as virtudes do seu país, levadas ao paroxismo. Mas poderemos dizer que ele tem uma pátria? Ele é a sua própria pátria. Na beira de uma pista de aterragem, à altura de Khé-Sanh, uma tabuleta proclama: Home is where you dig it («Tu pertences ao sítio onde cavares a tua sepultura»).
Guadalcanal, Iwo Jima, Arnhem: o mesmo tipo de homens dos dois lados. Não será por acaso que os pára-quedistas franceses retomaram os cânticos graves e profundos do outro lado do Reno; e que o chefe da FLN Amirouche, morto em 1959, usava a boina dos «Bigeard’s Boys». Apenas se combate o bom combate entre homens da mesma classe — e que se estimam. Energia contra energia, músculo contra músculo: a única igualdade concebível. (É por essa mesma razão que o duel é o combate de toda a aristocracia.) Pára-quedistas franceses e alemães, cadetes soviéticos, heróis do Japão eterno: todas estas faces geladas têm algo de fraternal, numa época em que a «moralidade» da guerra exige que o adversário se torne no Mal em si mesmo. Apenas com aquela atitude poderão as pessoas sorrir-se no momento de se matarem entre si.
Um pára-quedista não é, apenas, um «aerotransportado». O espírito pára cria-se em dez segundos. No momento do primeiro salto. Nesse momento, o medo é pago pelo seu cêntuplo. Erwan Bergot explica porquê. «Porque, a partir de então, o mundo divide-se em duas partes: os que saltam e os outros, os ‘rabos de chumbo’…»
A incorporação nos marines começa pelo cabelo rapado à máquina zero. «Desta primeira limpeza», escreve d’Orcival, «os voluntários saem feios, desgraçados, inferiores: as orelhas a abanar, as cabeças cheias de bossas, informes, e os olhos vagos onde não cintila sequer uma pequena luz. É de propósito. Eles são iguais na fealdade. Deixam de ter alguma coisa de si próprios. O outro mundo afasta-se, e eles não podem voltar atrás. Ninguém os reconheceria. Ei-los marcados».
Humilhados? De forma alguma. «Para mostrar bem aos novos que eles penetram numa casta, é preciso começar por reduzi-los ao estado de escravos, para que de seguida eles se elevem apenas segundo os critérios dessa casta.»
Após terem sido arrastados até ao ponto mais baixo da escada, eles vão poder dominar o mundo.
A psicologia do corpo de elite é uma psicologia de grupo. O espírito de corpo não se encontra muito longe da moral dos gangs. Lei do milieu? Talvez. O pelotão é como a patrulha, o bando, a tribo, o clã do «Livro da Selva». «Somos do mesmo sangue, tu e eu.»
A lei exige que se leia um extracto do código aos marines que se alistam. Faz parte dos seus direitos. Mas um instrutor acrescenta logo de seguida: «Aqui, não há senão uma lei: a nossa. Esta lei ninguém alguma vez ousou escrevê-la. Porque é a lei do sangue».
Repetir-se-lhe-á mais tarde: You ain’t ever sorry for nothing you do in the marine corps («Jamais terão de se desculpar pelo que fizerdes nos marines.») E os símbolos acrescentam-se ao vocabulário de tradição. Armaduras terrificantes, runas prateadas, camuflado, tudo concorre para soldar os homens em um só bloco. Os soldados comungam com as suas armas como cavaleiros recentemente armados. A boina merece-se como uma legião de honra. E o bivaque Bigeard, meio Afrika Korps, meio Sherlock Holmes, vale muito dinheiro no mercado das recordações.
«Vermelho ou verde, preto ou kaki», escreve Erwan Bergot, «desde à cerca de trinta anos que a boina permanece como o símbolo dos pára-quedistas. Pô-la na cabeça significa aceitar, ao mesmo tempo, as obrigações e os riscos, mudar, simultaneamente, de pele e de mentalidade».
O segredo da Ordem
Para o homem do corpo de elite a honra fundamenta-se, necessariamente, sobre a fidelidade: é a fórmula de Código Saxão. Divisa de Louis d’Estouteville, na época da Guerra dos Cem Anos: «Lá onde se encontra a honra, lá onde se encontra a fidelidade, lá apenas está a minha pátria». Da legião: «Honra e fidelidade». Dos marines: Semper fidelis. Da SS: Mein Ehre heisst Treue («A minha honra chama-se fidelidade»).
«Estou pronto a consentir qualquer sacrifício», diz o soldado do Irgoun prestando juramento, «mesmo o da minha vida, dando sempre a precedência ao Irgoun sobre os meus pais, os meus irmãos, as minhas irmãs, a minha família, até que construamos um Israel soberano ou que a morte me separe das nossas fileiras». (Podia-se já ler, na Bíblia: «Quando o teu irmão ou o teu filho, ou a tua mulher bem-amada, ou o amigo íntimo que amas de todo o teu coração te quiser seduzir dizendo-te em segredo: ‘Vamos, e sirvamos outros deuses’, tu não deixarás de o matar». Deut. XIII, 6-9.)
Aí por 1957, o general Chesty Puller declara: «O amor aos marines é mais forte do que o amor à pátria, o instinto de conservação ou a fé na sua religião».
— O soldado do corpo de elite não despe nunca completamente o uniforme, diz Dominique Venner. É um iniciado. Suportou provações que fazem dele um outro homem. Descobriu o segredo da Ordem. É o depositário do Graal.
Para ele, muitas vezes, as coisas «acabam mal». E pode-se dar por muito feliz quando não tem de comparecer perante o Tribunal de Guerra (Mathew McKeon), ou em Tribunal de Segurança do Estado (Roger Degueldre). A maioria das vezes é, contudo, o inimigo que ajusta as contas. As elites guerreiras vivem na recordação das suas festas sangrentas mais do que na das suas vitórias. A Haganah nunca mais esqueceu o sacrifício dos Zelotas de Massada. A legião continua a festejar Camerone. Para não falar em Arnhem e Fort-Alamo. Mas entretanto, é necessário durar até à queda.
Ao longo de toda a instrução, o cadete prepara os seus esponsais com a morte. O samurai, a sua «banda de resolução» a cingir-lhe a fronte, olha-a bem de frente. Um sargento dos marines disse um dia: «A morte deve ser magnífica». «Se a morte nos corta o caminho», cantam os paras, «nós desejaremos fazer escola».
De onde um certo romantismo que pode ser prejudicial a uma certa eficácia: vale mais uma bela derrota do que uma triste vitória. Trotsky dizia: «O primeiro dever de um revolucionário é o de sobreviver». Questão de estilo. Há cães vivos e leões mortos.
Um ritmo desconhecido
O soldado de elite age à margem na fronteira em que a morte e a vida ombreiam. É verdade que ele mata com a mesma indiferença com que morre. «Juda reerguer-se-á pelo fogo e pelo sangue», diziam os fundadores da Haganah. E quando é dito aos marines «Get your job done properly» («cumpri a vossa tarefa limpamente») isso quer apenas dizer: «sem bravatas». Amor puro e simples de um certo estilo de vida. Nietzsche: «O que se faz com amor, faz-se sempre para além do bem e do mal».
Por mais que se tente representar o combatente de elite sob os traços de um criminoso ou de um patife, os nossos contemporâneos não se podem defender, no que a eles respeita, de um certo fascínio: as multidões aplaudem sempre a legião. Há nela algo que brilha com um sombrio e misterioso clarão. Como um tambor que rufa a um ritmo pesado e desconhecido.
Na véspera da batalha de Okinawa, um jovem samurai despede-se da sua família. Será morto no dia seguinte. Num curto poema, escreve: «A vida não admite mais do que um caminho. O de se manter fiel ao seu destino». Após ter lido este texto, a sua mãe acrescenta alguns versos: «Que tu partas, e que nós fiquemos, é o teu bem que te dita o caminho. Quem se poderia lamentar?». E, por sua vez, o pai traça estas duas linhas: «Deves perecer, e a tua alma será imortal. Tenho de te felicitar pela tua partida». Tudo está dito — tudo o mais é silêncio.
Um alferes pára-quedista, citado por Erwan Bergot, afirma com orgulho: «Quando trazemos na cabeça uma boina encarnada, não temos necessidade de nos perguntarmos sobre o que quer que seja. Porque se formos uns angustiados, então mais vale ir para a Manutenção Militar ou para o Serviço de Material». Este tipo de declarações origina sempre o sarcasmo dos «rabos de chumbo». É que o mundo dos corpos de elite é, também, o das verdades simples. A sua moral não é do tipo utilitário. O para que salta, com o coração a bater na boca do estômago; o samurai que, sem o mínimo tremor, oferece a sua cabeça para ser decepada; o marine, olhou perdido no horizonte, indiferente às injúrias do instrutor — será que eles se perguntam «para que é que isto serve?».
E porque seria necessário que isso servisse para alguma coisa? Outrora, os marines usavam um pedaço de coiro que lhes mantinha a nuca inteiriçada. O general Vandergrift, que em 1946 teve de os defender perante o Congresso, declarou: «Pôr-se de joelhos não está na tradição do corpo». Justificar-se? Noblesse se tait.
- Alain de Benoist (in «Nova Direita, Nova Cultura»)