Alegações finais (julgamento Manuel Alegre versus Brandão Ferreira)
Fonte: O Adamastor
No dia 10/7/14 teve lugar a sessão destinada às alegações finais do
julgamento que o cidadão Manuel Alegre interpôs contra mim.
Junto o texto
que li quase na sua totalidade nessa ocasião.
Não quero deixar de afirmar
que, antecedendo a leitura do mesmo e em toda a vida que já levo, nunca
ouvi uma diatribe tão miserável, anti-patriótica e repugnante, como aquela
que o advogado do assistente fez, aquando da sua intervenção.
Pena que não
tenha ficado gravada, pois só pode ter vindo dos confins do Inferno."
ALEGAÇÕES FINAIS (julgamento Manuel Alegre versus Brandão Ferreira)
Na estrofe 33, do Canto IV dos
Lusíadas, Camões (esse sim um verdadeiro poeta da Pátria) declamava assim:
“Ó tu, Sertório, ó Nobre
Coriolano,
Catilina, e vós outros dos
Antigos
Que contra vossas Pátrias com
profano
Coração vos fizestes inimigos:
Se lá no reino de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos
Portugueses
Alguns traidores houve algumas
vezes.”
Como podem verificar o que
estamos aqui a tratar tem raízes antigas…
É minha convicção que este
julgamento não existiria e não teria razão de ser, caso o agora assistente
tivesse sido acusado e julgado, quando voltou a pôr pé na terra que lhe deu o
berço, nos idos de 1974.
Ele e todos aqueles que
procederam como ele.
Só os tempos de grande
perturbação política, militar e social e de absoluto desnorte, então vividos,
explica, mas não desculpa, o sucedido.
Estamos hoje, pois, a dirimir
questões com 40 anos de atraso, as quais podem prescrever face às leis da
sociedade, mas não prescrevem na memória e consciência dos homens, nem no
julgamento da História.
Lembro Judas Iscariotes, apóstolo
de Cristo que o traiu após a última ceia, que é o caso mais conhecido a nível
mundial e não há memória, entre nós, de que o Miguel de Vasconcelos tenha tido,
até hoje, qualquer estátua em Portugal!
*****
Neste caso, eu e o cidadão Manuel
Alegre, não podemos estar certos ou errados, ao mesmo tempo.
As razões pelas quais intervim na
Fundação Gulbenkian no início de Maio de 2010 e questionei o queixoso, no fim
da sua arenga e, na sequência, escrevi o artigo “Manuel Alegre combatente por
quem” – e apenas esse – não se destinou a prejudicar o assistente enquanto
candidato a PR. Até pela simples razão de que ele não tinha qualquer hipótese
de ganhar.
Sem embargo, quem ouviu os
testemunhos da outra parte e não saiba do que se trata, podia ficar a pensar
que Manuel Alegre não ganhou as eleições presidenciais, por causa desse artigo…
Tão pouco estabeleci contactos
fosse com quem fosse para fazer o que fiz – apesar de querer deixar bem claro
que no enquadramento legal existente, esses contactos mesmo que fossem para
prejudicar a campanha do putativo candidato, eram lícitos, dado que eles são
parte da intervenção cívica e do exercício dos direitos de cidadania.
O que essa intervenção tem é que
ser verdadeira e não ir contra a lei e os costumes e não ofender a Moral e os
ditames consciência pública.
Ora eu só referi a verdade, não
atentei contra a lei nem ofendi a Moral pública!
Exemplo disso é que nunca lhe
chamei desertor, pois apesar de ser “vox populi” tal epíteto, eu conhecendo um
pouco mais da vida de MA sabia que, técnica e juridicamente, ele não o era.
Pelo contrário, eu é que me sinto
ofendido na minha qualidade de cidadão português!
Intervim por um imperativo de
consciência, de boa-fé e por entender que a denúncia era de interesse público.
De facto, sendo oficial superior
da FA, não me esqueci da minha formação, tão pouco dos juramentos que fiz. E,
ao contrário de oficiais, alguns dos quais ouvidos por este tribunal como
testemunhas do assistente, que se esqueceram dos deveres e valores militares,
eu só penso dar baixa deles para a cova!
Destas testemunhas apenas
pretendo referir-me a duas por serem os únicos que me mereciam consideração.
Refiro-me aos Maj. Gen. Manuel Monge e Gen. Ramalho Eanes.
Quanto ao primeiro – e
complementando o que foi dito pelo meu advogado, Dr. Lafayette, a quem quero
agradecer publicamente tudo o que tem feito e por ser um “combatente do bom
combate" – pretendo salientar o esforço que fez em arranjar um discurso diferente
que o salvaguardasse das contradições em que se enredou.
Falo da tentativa de tornar a
definição de “traição” relativa e subjectiva. Ora o significado de Traição à
Pátria, para além de ser intuitivo, isto é, toda a gente o entender, está
perfeita e legalmente definido nos normativos dos Código Penal e no Código de
Justiça Militar.
Mas, se por acaso, o termo fosse
considerado subjectivo ou de aplicação relativa, passaria à categoria de
opinião e, nesse caso, eu também tenho direito a uma, o que dispensaria este
julgamento.
Manuel Monge quis ainda ilustrar
o que defendia dando como exemplo a condenação à morte do General Gomes Freire
de Andrade, por “traição à Pátria” e hoje existir uma rua e um busto, em
Lisboa, com o seu nome.
Todavia, não podia ter escolhido
pior exemplo: é que Gomes Freire foi enforcado, não por traição à Pátria, mas
sim por ter liderado uma tentativa falhada de golpe de estado…
E se tem rua e estátua, em Lisboa
é, talvez, por ter sido Grão - Mestre do Grande Oriente Lusitano…
Quanto ao Gen. Eanes – que
conheci ainda cadete, em 1972, quando ele foi proferir uma palestra à Academia
Militar sobre a situação na Guiné (de que já deve estar esquecido) - apenas
pretendo referir uma dúvida que me assalta: o que é que ele faria se tivesse
visto o assistente, frente a frente, quando havia guerra? Por exemplo, logo
após uma unidade do PAIGC ter assassinado quatro oficiais e três guias civis,
desarmados que estavam a negociar a paz com vários grupos de guerrilheiros
(como já referido neste tribunal). Dava-lhe um abraço ou um tiro?
*****
Lembro ainda que a única matéria
que foquei na minha intervenção, refere-se ao período em que Manuel Alegre
passou na Argélia, como membro do PCP (até 1970), e da Frente Patriótica de Libertação
Nacional (entre 1964 e 1974), e naquilo que disse aos microfones da “Rádio Voz
da Liberdade”, também conhecida por “Rádio Argel” – e apenas essa, pois nunca
referi qualquer outra, nomeadamente a Rádio Brazzaville”, como já aqui se
tentou insinuar na tentativa de confundir o tribunal.
Eu nunca ouvi a rádio Argel, nem cheguei
a combater nos teatros de operações africanos (porque era novo), mas desde cedo
na minha carreira e até hoje, que ouvi falar do que lá se passava e dizia, além
de ter lido alguma da documentação que existe sobre o assunto. Documentos e
pessoas das quais não posso, nem devo, duvidar. Pois os tenho, aos primeiros
como fidedignos, e às pessoas como dignas de crédito, por as conhecer, por
serem gente de bem e combatentes valorosos e patriotas, como V.Ex.ª tiveram
ocasião de verificar, quando alguns deles testemunharam nesta sala.
Por isso não existe qualquer
dúvida no meu espirito, que parte do que Manuel Alegre dizia na chamada “Rádio
Voz da Liberdade”- note-se que foram 10 anos, não foram 10 dias – não
constituía apenas luta política contra o regime de então, mas configurava um
crime de traição à Pátria, à luz do Direito Penal então vigente e do actual,
por estar a apoiar objectiva e concretamente, os movimentos de guerrilha que
nos emboscavam e matavam os soldados e tentavam separar territórios
portugueses, da Mãe-Pátria.
Sim, porque esses territórios nos
pertenciam por direito próprio e eram, simplesmente, Portugal mais longe!
(Faziam parte, por ex., de todas as Constituições e não apenas da de 1933…).
E não ajudava só estes, mas
também as potências estrangeiras que patrocinavam os movimentos ditos
emancipalistas!
Por muito menos foi um desgraçado
soldado português fuzilado na Flandres, em 16 de Setembro de 1917…
Além do mais não concordar com
uma guerra, não dá o direito a ninguém de trair os seus, como a participação
portuguesa na frente francesa, na I Guerra Mundial, tão bem ilustrou.
Seria até curioso saber como é
que o assistente designa os autóctones que se mantiveram fieis à sua condição
de portugueses tendo combatido ou não, nas Forças Armadas nacionais e foram
fuzilados pelo inimigo, muitos deles já depois das hostilidades terem cessado.
Serão traidores? E a quem?
A apreciação que faço é válida
naquele tempo, no anterior, actualmente, e sê-lo-á, certamente, no futuro.
Ora chamar a atenção,
publicamente, para o passado de uma figura como a do assistente, que exerceu e
exerce cargos de relevância política, nos últimos 40 anos, não é de somenos importância
– sobretudo quando tal figura pretendia vir a exercer o mais alto cargo da
Nação que, por inerência de funções, acumula com o de “Comandante Supremo das Forças
Armadas”.
Tem, outrossim, a maior
relevância, não sendo apenas uma “aresta” sociológica, como o advogado do
assistente tentou fazer crer na 1ª sessão do julgamento.
*****
Gozei até hoje da plenitude dos meus
direitos e deveres cívicos. A minha atitude limitou-se a usufruí-los.
Não foi um caso isolado; uma
embirração de momento; um fugaz interesse que despertou. Tem sido uma postura
de sempre, patente nos cerca de 1000 artigos, cinco livros e dezenas de
conferências, que escrevi, o podem atestar. Um destes livros versa, especificamente,
a justiça e o Direito em fazermos a guerra que travámos no Ultramar; a sua
legitimidade, sustentabilidade e as razões porque desistimos de lutar e
sofremos a maior derrota da nossa História!
Derrota, aliás, humilhante e
vergonhosa, para a qual o assistente activamente contribuiu e que apenas
encontra paralelo nas consequências de Alcácer-Quibir.
Por isso a minha eventual
condenação seria, também, uma ofensa a todos os combatentes de sempre e por
maioria de razão aos heróis, alguns dos quais me orgulho de ter como testemunhas,
e de cuja acção vou condensar num trecho do relatório dos sobreviventes da
guarnição da Lancha Vega, relativo ao seu comandante, Segundo-Tenente Oliveira
e Carmo, morto heroicamente nas águas de Diu, em 18 de Dezembro de 1961, e
cito:
“O Senhor comandante dirigiu-se à
Camara e fardou-se de branco, dizendo que assim morreria com mais honra.
“Rapazes, sei que vocês vão cumprir assim como eu e que mais vós quereis!
Acabarmos numa batalha aeronaval. Fazemos parte da defesa de Diu e da Pátria e
vamos cumprir até ao último homem e última bala se possível”. “Algumas
despedidas se fizeram e até as fotografias dos entes queridos foram beijadas e
guardadas nos bolsos dos calções”.
Permitam, para finalizar, que
leia o penúltimo parágrafo, do meu livro “Em Nome da Pátria”: “Não soubemos
merecer os nossos antepassados, poderá ser a síntese que nos leva ao veredicto
final: aqueles que não souberam defender a Pátria, por não a terem sabido amar,
acarretarão para sempre, e perante a posteridade, a responsabilidade e a
vergonha de a terem deixado perder”.
*****
Meritíssima Juíza,
Passei horas de minha vida
sentado nesta sala, a olhar para o símbolo maior deste tribunal: a imagem da
balança e da figura vendada, pintadas na parede à minha frente e que
representam a Justiça e da qual, neste caso, é V. Exª, o fiel garante.
Estou certo e quero crer, que esse
valor maior que é a Justiça será preservado neste julgamento.
João J.
Brandão Ferreira